Mayde’ Barrio – A esperança não morre jamais
38 anos, nascida em 15 de agosto de 1970, técnica em finanças, operadora de micro-computador, formou-se na faculdade Obrera-campesina. Entre as contradições de uma elite e a certeza da soberania de uma pátria
- “E este é o quarto da empregada”
- “Como?” – perguntou Mayde’
E o rapaz lhe explicou que se ela morasse na casa aquele seria o seu quarto, porque assim denominávamos no Brasil.
- “Eu não sou empregada, sou trabalhadora” – ela contestou.
Mayde’ é uma mulher de 38 anos que tem duas filhas, a mais velha estuda para ser militar e fica em acampamentos que, por coincidência, no mesmo município do acampamento da minha brigada, em Caymito. Sua filha mais nova ainda está na escola e é muito doente, pois tem asma e outros problemas respiratórios e alérgicos. Já trabalhou como secretária no Ministério de Saúde Pública, em finanças de salões de beleza e outros escritórios e, hoje, exerce o trabalho doméstico clandestino em uma casa e faz as unhas das mulheres nos horários vagos. Quando digo clandestino, leia-se proibido! Ganha 50 dólares por mês, dois dólares por dia de trabalho e quando trabalhava para o governo ganhava dez dólares mensais. Mayde’ contou-me que com apenas dez dólares não conseguia ajudar em sua casa. Seu marido faz sandálias para vender e também não ganha muito.
“ – Minha filha estuda no acampamento militar e tenho que comprar muitas coisas que não posso comprar em moeda nacional, apenas em CUC (equivalente ao dólar, mais ou menos, depois explico em outro texto). Além de roupas, sapatos, desodorante, absorvente. Camila, você já ficou sem desodorante, absorvente, xampu e até sem sabonete?”
Neste momento, envergonhei-me e fez-se o silêncio. Mayde’ começou a me ajudar com o almoço. Fez o arroz em uma panela elétrica, sem cebola, sal ou alho. Sem qualquer tempero. Eu não entendia aquilo. Depois que fui a um agro (típico mercado cubano) e vi os preços dos temperos entendi. Para nós é muito barato, mas, para os cubanos nem tanto. Decidimos fazer strogonoff de frango. Quando fomos ao supermercado comprar os ingredientes quase desistimos. Quatro dólares a lata de creme de leite! Então, um amigo encontrou um leite evaporado bem mais barato que causava o mesmo efeito. Carne nem pensar, quase não encontrávamos para vender, apenas em restaurantes e, mesmo assim, caríssimo. Dá-lhe frango no strogonoff. Mayde’ ficou ali a observar cada passo da receita, nunca havia provado este prato. E eu lhe contei que no Brasil temos o costume de fazer com carne e ela me falava sobre a enorme falta de carne na Ilha.
“ – Listo (pronto, em espanhol)!” – disse às pessoas da casa.
Mayde’ provou e aprovou. Afirmou que ia fazer para suas filhas. Disse-lhe para comer mais e ela negou, explicando que, na época que trabalhava para o governo, era muito gorda, devido ao sedentarismo no escritório. Só emagreceu depois que começou a trabalhar nas casas. Algo que me comoveu bastante em Mayde’ é a sua força de vontade. Trabalha de segunda a sexta como doméstica, faz unha nos horários vagos e ainda faz todo o serviço de casa. Infelizmente, a dupla jornada de trabalho da mulher não é reconhecida. A mulher tem direitos, postos de trabalho e salários iguais aos de um homem, mas não tem a dupla jornada de trabalho reconhecida.
Quando perguntei a Mayde’ o que pensava sobre o governo cubano, ela me respondeu:
- “Camila, eu nasci e vivi na revolução. Não mudaria o governo jamais!”
E lá se foi Mayde’ pelas escadarias do prédio, entre as contradições de uma elite e a certeza da soberania de uma pátria.
2 comentários:
É, minha amiga, as coisas por lá não são nada fáceis...
Bjosssssss....
Delicia de texto, Ca!! Fala da segmentação que está havendo na sociedade cubana: os que trabalham com turistas (e ganham em CUC) e dos que trabalham para o governo (e ganham em moneda nacional).
Fidel está criando uma elite no país. Presenciamos um momento de transição único na história de Cuba.
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