domingo, 27 de abril de 2008

Minha pele

Minha pele
Camila Marins - 27/04/2008

Beijaram-me a boca à força
E com a ponta afiada de uma faca
rasgaram minha pele

pequenos retalhos de memória
minha pele
pequenos retalhos imersos em sangue

minhas mãos em formato de prece
foram forçadas ao desenlace
estendi aos céus
mãos lascivas e úmidas

digitais sem identidade
minha pele
dedos libidinosos
sem medo do pecado

vem e rompe com tuas memórias
ajoelha-te neste chão duro e desigual
esfacela teus joelhos no abandono das esquinas

vem e sussurra uma prece em meu ouvido
vem e causa arrepios em minha pele
minha pele
recortes embebidos por éter

vem e alimenta minha boca
vem e entrelaça seus dedos nos meus
minha pele
um corte
a morte

sábado, 26 de abril de 2008

Carta para Ingmar Bergman


Carta para Ingmar Bergman




Ingmar Bergman foi um dramaturgo e cineasta sueco que produziu filmes de extrema relevância e não se deixou vender para Hollywood. Faleceu aos 89 anos

Camila Marins em algum momento de algum ano passado...

Aprendi o significado da palavra sarabanda com você, querido Bergman. ‘Saraband’ foi um dos primeiros filmes que eu assisti. Lembro-me até hoje que eu fiquei extremamente emocionada com a película, principalmente com a questão musical e todos os significados e significantes em torno disso. Depois de ‘Saraband’, vieram muitos outros, como ‘Morangos Silvestres’; ‘O Sétimo Selo’; ‘Gritos e Sussurros’ (um dos meus prediletos). Ah e lembro-me quando me chegou ‘A Paixão de Ana’ e fiquei ainda mais atônita com a sua forma de trabalhar o existencialismo agregado à arte.

Uma análise conceitual feita de forma extremamente sensível e artística em torno de temas existenciais como: fé, valores, crença e solidão. Espantou-me o seu trato com a solidão, pois este tema é bastante recorrente em meus textos e pude comprovar ainda mais seus significados. “Quanto pior as pessoas estão, menos elas reclamam, até que chega o silêncio”, essa é uma das frases de um dos personagens. E essa é a forma como Andreas, um dos personagens principais do filme, trata a vida: de maneira silenciosa, até que chega Ana.

Assim como a descrição da própria atriz que a interpreta, Ana é assim: desejo intenso de verdade. Porém, ela se mostra uma contradição. Ela diz em certo momento: “Eu acredito em Deus, mas não ensinaria meus filhos a acreditarem”. Através dessa frase, podemos resumir Ana: a verdade dela nem sempre vale para o outro, ou seja, talvez nem ela mesma acredite em suas crenças ou estas sejam rasas como suas lágrimas. Querido Bergman, eu poderia descrever Ana como um poço de imaginação e ilusão, ciente de que esse poço talvez seque um dia. Crer se torna um perigo para ela mesma, para sua própria sanidade. Basta lembrar das repetições da carta de seu marido: “violência física e psíquica”. Por isso, talvez ela viva tão atormentada por pesadelos, não há mais sonhos em sua alma... Na realidade, há tanta descrença e desesperança que ela reinventa verdades únicas e intrínsecas à sua respiração, pois é através desse mecanismo de transposição de verdade que ela sobrevive ao mundo ao seu redor. E os pesadelos de Ana nada mais fazem do que engessar sua própria liberdade.

Uma cena que me comoveu foi quando Andreas e Ana estavam hipnotizados pela TV e ouvem um barulho, o que provavelmente seria um pássaro. E ao encontrarem a pequena ave, eles decidem pôr fim ao sofrimento do animal, matando-o com uma pedra. Quase arrependida, Ana ainda pergunta: “Será que ele teria sobrevivido?”. Mas ela mesma se convence de que é melhor pôr fim logo ao sofrimento. A partir daí, o casal passa a se ausentar do outro, assim como o torturante silêncio. Não havia mais reconhecimento mútuo, apenas inverdades, ilusões e silêncio. Intervalos constantes de negação e até mesmo negação da negação. E a cena final é digna de grandes mestres. O homem finalmente percebe que, ao lado de Ana, não se reconhecia mais. Ele só se reconhecia no silêncio, no caminhar solitário de um lado para o outro na neve... “Furtivo como um vira-lata espancado”... Obrigada por esse e outros filmes que tanto me trouxeram sentido. Que a existência faça sentido, pelo menos para você que está do outro lado, querido Bergman!

O não à Hollywood

Lembro-me de uma matéria que li na Folha de S.Paulo sobre a sua resistência. A sua identidade, a sua criatividade, a sua originalidade e principalmente a sua independência. Não! Você não se vendeu aos estúdios hollywoodianos e ainda provocou: "encomendar um filme meu, da mesma maneira que alguém encomenda um quadro ao pintor, sem primeiro dizer ao artista como o quadro deve ser. Acredito que essa seria a melhor das idéias". No entanto, sabemos que Hollywood não funciona assim e, inclusive, tinha planos para produzir seus filmes com ‘grandes’ astros da época. Mas todos nós sabemos que você escolhia minuciosamente seu elenco.

Admiro a forma como ignorou e rejeitou os assédios hollywoodianos. A maneira como considerava a negociação promíscua da indústria do cinema é admirável. "Seria interessante, se um dia, um cientista fosse capaz de inventar uma escala de mensuração capaz de estabelecer quanto talento, determinação, iniciativa, gênio e capacidade de criação foram destruídos pela indústria em sua impiedosa máquina de salsichas", você afirmou. Não tenho mais o que fazer do que me render às suas considerações. Até mesmo em suas atitudes, você, caro Bergman, ia a favor da sua verdade! Independentemente de mercado, interesses ou negócios.




Que a Paixão pelo cinema e pela arte sejam capazes sempre de atravessar propostas Silvestres. Que nesta Sarabanda do existencialismo sejamos capazes de Selar nossa verdade. Seja por meio de Gritos, seja por meio de Sussurros, clamemos a Sétima arte! Obrigada, querido Bergman. - Camila Marins




segunda-feira, 21 de abril de 2008

LA SOLITUDE

LA SOLITUDE

"A solidão é o meu cigarro", Zeca Baleiro que embala sonhos....

Camila Marins - 21/04/2008

Ser sozinha. Talvez essa seja a tarefa mais difícil. Digo isso não por mim. Tudo bem, parece fácil, mas não é. Entrar em um restaurante, sentar-se à mesa, pedir um prato que está com vontade há semanas. E aí o garçom lhe diz: “Desculpe, esse prato só servimos para duas pessoas”. Ou então ir a uma festa e se deparar com ingresso caríssimo. No entanto, acompanhantes pagam meia ou têm um bom desconto. Experimente comprar flores para si mesma, muitos lhe perguntarão: “De quem ganhou essas lindas flores”. E, humildemente cabisbaixa, terá de responder: “De ninguém, eu mesma as comprei para mim”.

Algo que prezo bastante e é um dos maiores exemplos de observadores fatais é o bar. Há alguns dias havia acabado de sair do trabalho e, cansada, resolvi tomar uma cerveja. Sentei-me em um bar sozinha. Um bar que costumo freqüentar bastante, conheço os garçons e o gerente. Sentei-me, pedi uma cerveja e acendi um cigarro. E o previsível me abençoou. “Ué, veio sozinha hoje? O que está fazendo só?”, perguntou-me um dos garçons com aquele olhar de piedade sobre mim. Com a maior naturalidade respondi que estava tomando uma cerveja depois do trabalho e que esperava um amigo. Qual o problema de tomar uma cerveja sozinha? A cerveja não é o problema, e sim estar sozinha em um local público, principalmente em um bar. Uma metralhadora de olhares piedosos recaíram sobre mim. Olhares que gostariam de me forçar a crer de que eu era uma coitada. Ciente de tal intencionalidade, continuei ali, pedindo mais uma cerveja e ocupando mais lugares no cinzeiro. Sorrindo, sorrindo sempre, porque a noite neste dia estava linda.

Por fim, alguns amigos chegaram e continuamos a brindar a Lua e as estrelas. Uma amiga me diz que escreve para não falar sozinha. Eu escrevo porque gosto de ficar sozinha. Eu escrevo por um famigerado momento de miséria existencial. Eu escrevo por piedade. Piedade da solidão. Piedade de mim mesma. Afinal, “a solidão é o meu cigarro”. Ah, esqueci! Estou parando de fumar...


terça-feira, 15 de abril de 2008

Cacto's


Cacto’S

Camila Marins

Um grão algures, contra
minha contradição
do seu vácuo resistente, este cacto
é um curvo caractere
onde alinhar a espinha

e minha pele jamais será como a tua;
seu ângulo depressa,
coutado
à sobrevivência e à displicência
desta sombra liquefeita, destas cutículas
que inibem o facto: o fragmento
era esse o hino, esse acervo
de notas
sons

desafinados aqui, na irrelevância
de qualquer semântica

Os cactos refletem no cascalho, no
sussurro do eco. Jamais esquecem
sua panacéia:

vão resistir
vão nascer quase sem meu consolo

O cacto é
esse grão amargo, degustado
no micro do poro, bem
escondido? É.

Esquecido pelos insetos
se centrifuga de si; e a sua
rotação é acto, negada ao plural.-