sábado, 31 de maio de 2008

Jantar a Dois


Jantar a dois

Capítulo I da série "Sacrilégios"

31/05/2008 – Camila Marins

Sentou à mesa. Encostou suas pernas na madeira fria da cadeira. Seus pés balançavam com certo pudor. Olhou para os talheres, as cadeiras vazias e seus pés descalços. Os talheres refletiam sua solidão e uma lágrima escorreu enquanto incorporava Narciso no reflexo daquele garfo. Meteu o garfo em um pedaço de carne. Um pedaço de carne vermelha, ainda sangrando em piedade. Mastigou e o sangue misturado a sua saliva formava gotas suculentas que desciam pelo canto de sua boca. Aqueles beiços exercitavam alguns dos sete pecados capitais. Antes de espetar o próximo pedaço de carne olhou para os lados. Nada. Olhou para frente. Encontrou algo. Uma cruz, talvez a sua e murmurou indecifravelmente: “Tomai todos e comei, este é o meu corpo”. Jogou os talheres contra a parede e pisou em direção ao quarto. Deitou-se com aqueles restos de carne ainda em sua boca. Dormiu com sua famélica punheta e pés descalços quase delinqüentes.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

SER NEGRA



Ser Negra

CENAS (REAIS) COTIDIANAS


Ato I - Shopping

- Com licença, por favor, quanto custa essa blusa?
- Desculpe, eu não trabalho aqui.

ps.: (às vezes não entendo o porquê da educação. Porra!)

Ato II – Congresso

- Intervalo para a formação dos grupos de trabalho.
(e as intelectuais mais renomadas estavam no evento)
Café.
A diretora de uma universidade avança e diz:
- Pode me servir um café?
Depois de ver o crachá do credenciamento, a diretora e seu famigerado rubor servem o café pelas próprias mãos.

ps.: (ainda dizem que ‘carteirada’ não funciona...)

Ato III – Bar

- Vou ao banheiro e já volto.
- Por favor, posso tirar uma foto sua? Você é baiana?
- Rodo a minha saia, mas para dar as costas àqueles gringos.

ps.: (nem a cerveja deixam em paz)

Ato IV – Ainda no bar

4 mulheres: 2 negras e 2 brancas. Alguns homens vêm à mesa nos cumprimentar. Duas são cumprimentadas no rosto e as outras duas com um aperto de mão. Eram rapazes completamente desconhecidos a todas.

ps.: (alguém adivinha quem ‘ganhou’ o aperto de mão?)

Ato V – Um trabalho antigo

- Eu acho melhor você tirar suas tranças, não ficam bem no vídeo, mas eu não tenho preconceito, acho lindo. Só é melhor tirar.

ps.: (ai, esses achismos)




sábado, 24 de maio de 2008

pLETórica diScreta


pLETórica diScreta
Camila Marins 29/11/06


Senhoras e senhores senhora o caralho o espetáculo terminou toc toc por favor entre entrelinha só um minuto o que o traz aqui? Doutor é o espelho não há espaço meu espelho espectro olho para o céu e sapos gordos caem sobre meu teto no piso piso na calçada dia desses encontrei uma rosa jogada acabada cheguei em casa tomei uma daquelas pingas que deixa qualquer um no cio eita pinga marvada depois ainda me perguntam quantos eu fumo por dia respondo apenas alguns tragos mas só em dias de lua cheia eclipse nada da noite na bolsa trago minha sopa sem letrinhas êêêêêê são grãos, sementes de pão de arroz curtido em fontes intermináveis desse jardim des fleurs opa olha quem chegou para dar liga nesse ebó vísceras da então depenada em nome de pater logo mais a cadela lança seu olhar de cortesã cuidado é a cadela lança okê arô lançou suas flechas e no mato saiu para caçar carneirinhos ruivos tende piedade de nós sua oferenda ekùjébú mas sabe o que eu acho? lancei a moeda ao ar sorte ao léu uma prece fraternidade branca nesse abismo oval viche voltemos aos ovos bagos e bolas meia bola pingos no i soma advérbio verbo substantivo substância cartilha esquece conjugação amém aliteração tu tu tu tu tu tu corta o S corta de novo vira cifrão cifras em versos auto-retrato entreato por favor lâmina sangue suicida o pêlo amargo café veneno espirra pela narina tomai todos e bebei moinho no eflúvio nada sagrado da piroga em constante rumor puta quer ser virgem índio quer nascer o cu do pirata se escondeu reto desmunheca entorta coluna do olho reto cu arreda pirata olha o verme quieto amordaça calo logo galo joanete absinto vermelho sinto entre as pernas voam fadas verdes lamento seus gatos na banheira buh buh assusta sobrinho temporal ‘intruterino’ três dias três noites três horas quem sabe três cálices três mosqueteiros um lamento para borges escondido no bolso da calça jeans gim uma dose por favor melhor uísque ou saquê na tupperware uér maria macombé perdida pela geografia esquisita redoma toma ajuda tomé cas galinha escreve uma carta que ela entende bate patente mitra também nasce põe ovos pelo umbigo odeio umbigos nada amigos ambíguos pedra no terço do caminho rosário contas para amador masoquismo parto de idéias amo amo amo dor e tu?

Viva a anistia!
Um brinde!
.ponto.pronto.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

O Preterido





O Preterido

Camila Marins - 20/05/2008 -
poema escrito em uma mesa de bar,
depois de algumas cervejas


Fitei teu rosto
certamente era meu preterido
Ah! a memória!
traiçoeira, traiu-me
aliterou-se
Ah! Meu preterido
não se perca em pretéritos

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Breve ausência


“Escrevo neste instante com algum prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – , que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.” - Clarice Lispector


Estou com o computador virulento na assistência. Em breve retorno! Enquanto isso, a maravilhosa Clarice Lispector.


quarta-feira, 14 de maio de 2008

Vindouros 24 anos


Vindouros 24 anos

Camila Marins - 14/05/2008

Será em uma dessas esquinas ou quem sabe no meio de alguma rua. Entre copos, cigarros e sonhos, assim brindaremos e, no fim da noite, já embriagados derramaremos lágrimas sobre nossas mãos nada atadas... E quem sabe ainda, me sobre algum pedaço de sarjeta, entre vira-latas, e eu possa brindar sob a Lua quantas estrelas pude contar.

Resposta de um grande amigo:

Deixo com vc algumas palavras que poderiam ser verso...mais sei que a poesia nao é minha amiga.

...depois de algum tempo você descobre a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.

E você aprende que amar não significa apoiar-se e que companhia nem sempre significa segurança.

E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas.

E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

Numa dessas esquinas ou no meio de alguma rua. Estarei olhando e cumprimentarei teus vinte quatro tempos.

Entre copos, cigarros e sonhos, brindarei durante o fim da noite, quiçá me sobre um sopro de respiro e possa gritar - lê.

Felicidades minha cara amiga.!

" Eu aprendi...
...que a vida é dura, mas eu sou mais ainda..."

MINHA RESPOSTA:

Meu caro amigo, digo-lhe que minha poesia se confunde com minha miopia. Aos 8 lia Monteiro Lobato e, hoje, Ana Cristina César. Entre sacis e caiporas, descobri Baco. Entre tonéis, descobri ardis. Entre os óculos, descobri as garrafas e os copos. Entre maços de cigarro, descobri minha gastrite. Entre amigos, descobri o amor. Entre esquinas, descobri a fome. Entre pratos e talheres, descobri a hipocrisia. Entrelinhas, descobri flores. Entre linhas, entrelinhas. Assim, vou escrevendo e quase sobrevivendo. Inspirando e expirando. Entre inspirações, descobri o cinema. Entrelinhas, descobri amigos. Entrelinhas, conheci Vitor Ramil e Guinga. Entrelinhas, descobri poeta! Ah! Ser poeta!

ESSE É O MEU GRITO: SARAVÁ POETAS!



domingo, 11 de maio de 2008

Pregos pelo teu corpo / Para Frida Kahlo

Pregos pelo teu corpo
/ Para Frida Kahlo

Camila Marins - 10/05/2008
teu cigarro suplicava
ossos sangue e carne
teu esqueleto pregado
crucificada na cama.
A insurreição, sonhava com camaradas

teu corpo: cárcere privado
e na borda de um copo de tequila
teu vestido pendurado em um varal

embaixo de tua cama
borboletas exangües
ensaiavam coreografias
com o ranger de ossos

surrealista, chamaram-na
não!
tua cama, tua redoma
tua cama, tua redenção
grite aos ouvidos bêbados:
“Yo no pinto sueños... Pinto mi realidad”

seios presos em gesso
aquele branco tela sufocante
tua cintura esmagada
que gritavam sussurros de Trotski

e na cama
caquinhos formavam o belo
teus ossos te estupraram
pedaços de teu corpo entre os lençóis
Emoldura tua cama, Frida!

ninguém conhece tua dor
imensidão urdida por urubus
apenas esmola ao diabo
todos os dias traga migalhas
migalhas oferecidas por moribundos

enche teu peito de aflição
e brinda tua dor
cálice de teu auto-retrato

nada pior
do que levar uma surra
de sua própria lápide
enfim, teu esqueleto é liberto
queima, queima
e dissipa suas vísceras
entre cores, pincéis e telas

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sobre cantos e apontadores



Sobre cantos e apontadores

Camila Marins – 09/05/2008

depois de ler http://contra-ordem.blogspot.com/

a forma nunca foi minha norma
sabe?
um dia desses...
quem sabe
escolherei poemas
poemas para escrever amanhã

minhas quartas intenções
deixo nesse meio quarto de verso
e para a próxima estrofe
jogo a moeda

está na cara o resultado
multifacetado
cara a cara com o grafite
corôo esse pedaço de papel

enquanto isso
vejo ratos pelos cantos
e meu canto dissonante
pergunta:
o que faço se perder o apontador?

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ética em Myanmar?

As autoridades birmanesas fizeram um balanço que aponta para mais de 15.000 o número de mortes. Quase 10.000 apenas na cidade de Bogalay (sudoeste), causadas pela passagem do ciclone Nargis durante o fim de semana por Myanmar, localizado no sul da Ásia.

Na TV:

Repórteres oferecem dinheiro a um grupo de mulheres famintas e desesperadas para que concedam uma entrevista sobre a tragédia.
Ao redor:
mortos, fome, desgraça e
restos... restos... memórias...




E PARA ONDE FOI A ÉTICA?

POSSO CITAR MORAL?

BOA NOITE A TODOS

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Teto de Zinco

TETO DE ZINCO
Camila Marins – 07/05/2008


Não!
não me convide para tuas festas
Chega!
estou velha demais para tuas fantasias bobas

Convide-me para tua cama
para dividir entre lençóis
aquele blues
nunca tocado antes

façamos o teto ferver
ferver em zinco
passeia entre minhas coxas
toda a ginga de tua cuíca

levanta deste caixão
enterra tuas futilidades
esquece!
dispara contra o teto teus desejos mais íntimos

chega! tua realidade é um escarro
tuas crenças não me valem
olhe para o lado
chega! Esquece teu umbigo
umbigo perdido de mazelas

ginga ginga
mexe essa tua cintura
ajoelha e faz uma oração para Guinga

não! Deixe-me em paz
cansei de teus sussurros ocos
sibila em meu ouvido tuas dores
esquece o pop, o cult e o etc
esquece o etc

desenha marcas sobre a minha cama
ensina-me tua quiromancia
canta liberdade aos céus
canta liberdade aos seus

e você está em todo lugar...
nas sarjetas, nos tronos
Ah! o mundo


terça-feira, 6 de maio de 2008

Olhos nos olhos


Olhos nos olhos

Camila Marins

Assim que nascemos nossos olhos são os que mais sofrem. A luz incomoda o recém-nascido que, até então, está acostumado à escuridão do útero da mãe. A luz traz à tona um mundo novo. Um admirável mundo novo... A visão é um sentido importante, ora traduz sentidos, ora os transmite. Dizem que os olhos são as janelas da alma. Olhos são temas de inúmeras poesias e músicas e até mesmo tema de inúmeros clichês, mas, de todos, esse é o meu favorito. Existe o “Poema dos olhos da amada”, de Vinícius de Moraes e também há a música “Olhos nos olhos” de Maria Bethânia. E não pense que considero tais obras clichês, ao contrário!

Mesmo com tantas referências aos olhos, nem chegamos a perceber o reflexo deles. Por exemplo, quando caímos ou sofremos algum acidente, a primeira atitude é fechar os olhos. Por que será que fechamos os olhos em momentos de conflito e dor? Talvez seja isso, preferimos fechar nossos olhos. Close your eyes! Cierra los ojos! E assim criamos um escudo. Um escudo, frágil como a placenta e maternal como o útero. Fechamos nossos olhos, talvez para nos refugiarmos à lembrança de proteção que o útero nos dava quando ainda éramos fetos. Feche seus olhos! Você! Apenas você!

A deusa mais bela dos olhos, com certeza, é a lágrima. Poucas foram as vezes que chorei de felicidade. E muitas foram as de tristeza. Ah, o choro... Esse sal que insiste em marcar faces. A primeira lembrança de meu primeiro choro foi quando caí de uma bicicleta rosa e quebrei o braço. Às vezes lacrimejamos. Lacrimejamos com grãos. Grãos incômodos que arranham a retina... Talvez o choro seja um álibi. Um álibi do sofrimento. Mas chorar de felicidade é uma delícia. Como é bom verter em lágrimas felicidade intensa e sincera. São momentos tão raros que, quando acontecem, nos trazem uma belíssima sensação orgástica.

Lembro-me de quando fui assistir ao filme “Piaf – Um Hino ao Amor”, uma bela obra sobre uma artista fantástica e completa. Na infância, Piaf teve uma saúde muito frágil e ficou algum tempo sem enxergar. Lindas foram as cenas de adaptação da menina ‘cega’ – temporariamente -, suas brincadeiras e, principalmente, suas percepções do mundo. Uma sensibilidade que emociona os olhos mais duros. E, talvez por um milagre, ou simplesmente fé, Piaf volta a enxergar e reconhece o mundo que está à sua volta. Nem preciso dizer que chorei absurdamente o filme inteiro. Não somente pelos olhos, como também pelas lembranças que vinham ao cerrar os olhos. Lembranças de um amor não tão vivido, porém intenso, talvez o maior amor do mundo. E a primeira vez que chorei de felicidade foi por amor! Chorar de felicidade por amor é um orgasmo indescritível. Chega dessas linhas subversivas de saudade. Quantos devaneios ainda sou capaz de escrever?


Provérbio do Saci:
Amai e amai
hasta siempre, amai

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Cenas Cariocas


Cenas cariocas

Camila Marins – 05/05/2008

I

Glooobo. Olha o biscoito Globo.

- Por que você diz biscoito em vez de bolacha?

Ainda pelas praias cariocas:

- Gloooobo. Olha o biscoito Globo.

II

- Desce um garotinho aí.
- O quê? Garotinho em um bar? Mas já acabou a greve de fome do ex-governador.
- Não! Desce um chopp no formato garotinho, é só o formato do copo.
- Então tá.

III

Dengue verborrágica

“Os muleques são dengosos. Vem pra cá tchutchuca linda. Os muleques são dengosos”.

Esse é o hit do momento, todo mundo dengoso!

IV

- Vem cá, você é daqui mesmo?, perguntei ao garçom.
- Não! Sou cearense da gema, respondeu-me Abrahão.

V

Lapa às 23h45

“Se eu perder esse trem que sai agora às 11 horas, só amanhã de manhã”, e mais de 100 pessoas, em coro, cantaram com a alegria carioca de ser.

VI

Museu da República e os patos

Após um rápido passeio pelo jardim do Museu da República, fomos tomar um café no Espaço Oi Telemar. Um desses espaços que, apesar de não serem nada populares, oferecem boas atividades e gratuitas.

Exposição de David Lachapelle – Heaven to Hell

Leonardo Di Caprio e uma banana fálica
Naomi Campbell com coleira
A Santa Ceia do vinagre e do Hip Hop
Angelina Jolie e tesão pelos campos

Um misto de pop e cult. Boas e criativas composições que envolvem o pop do pop e a crítica a esse mundo cosmopolita. Rostos famosos compõem os painéis que remetem sutilmente ao surrealismo e, em muitos, a composição costuma ser alegórica. Vale a pena e tome só um café, porque o restante do cardápio é caríssimo.



Provérbio do Saci:

Viaje e tenha em seu quarto um banheiro sem ventilação. Assim, saberá a definição de prisão de ventre.