domingo, 29 de junho de 2008

Oferenda para Baco


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29/06/2008

Capítulo VI da série “Sacrilégios”

Todas as manhãs levantava-se cedo, talvez um pouco antes do sol. Ainda com a barba por fazer olhava-se no espelho e lavava o rosto mal feito. Arrastava-se para a cozinha e metia logo um pedaço de pão de ontem na boca. Mastigava migalhas de pretéritos, enquanto botava água para ferver e media o pó preto. Sentava-se só e para acompanhá-lo no café, São Benedito. Assim, não se sentia só, eram duas xícaras e uma presença monossilábica. Sabia que a impaciência tomava conta de seus pés e, rapidamente, dirigiu-se à porta, à espera de sua correspondência habitual. Uma era especial. Há três dias vinha recebendo cartas. Cartas em francês. Traduções de músicas francesas. Letras perdidas de Henri Salvador e Edith Piaf. Passava horas lendo, chorando e se embriagando. Levantava taças efêmeras de vinho e tombava sobre as cartas. Era uma mulher que lhe escrevia e assim assinava: “sua bacante”. Aquele gênero perdido o instigava. Durante semanas, esqueceu-se de São Benedito e marcou cartas com gotas de vinho e saliva. Não havia endereço, nada! A cada dia caía em desespero, uma inclinação convexa ao abismo. Passaram dois dias e as cartas não mais chegavam. E, em uma dessas manhãs de angústia, chegaram três tulipas vermelhas com os seguintes dizeres: “passado, presente e futuro. Todas morrem ao mesmo tempo. Quem suporta mais?”. As flores ficaram ali, jogadas, sobre a mesa, ao lado do São Benedito. Essas mesmas tulipas assistiram o porvir. Testemunhas ou cúmplices de sua ceifa. Ah! o tempo... é passado!

7 comentários:

Carolina Cristina disse...

Cam, o contador é assim: você abre uma conta nesse site: www.histats.com, depois você escolhe o contador que você quer, copia o link dele. Lá no blogger, você vai clicar em LAYOUT, depois em ADICIONAR UM ELEMENTO DE PÁGINA, quando abrir a janelinha você vai adicionar HTML/JavaScript e copiar o link do contador nele. Salva e voilá!!!

Carolina Cristina disse...

O tempo é passado, mas a lembrança das coisas boas está sempre presente e é um presente.
Adorei!!!

Bjos...

O Desbunde disse...

o presente? tulipas!
tulipas vermelhas? oferta de um grande amor
tempos? lembrança!
game over!
alguém me disse o seguinte há algum tempo: "além dos sonhos, o melhor de mim ainda é a memória", nunca esquecerei essa frase!

Carolina Cristina disse...

Frase maravilhosa!!!

Anônimo disse...

Surreal. As cartas foram o trampolim, a última felicidade em vida. Mas e agora? quem lembrará dele, Benedito?
Muito bom.

O Desbunde disse...

ah! meu São!
rogo sanidade!
as cartas se queimaram na última vela para orações!

Daisy: passe teu blog para eu visitar!

Anônimo disse...

www.carva1.wordpress.com

beijo, daisy :)