sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

maiúscula

Hoje, perguntaram sobre mim
a rima mais pobre respondeu:
sou dúvida sem fim
na certeza de ser
tudo para todos!
Sou a Maiúscula!
Sem fim
com Amor
e ponto.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Os filhos do abandono


Os filhos do abandono

04/05/2011



Ato I
Tinha dez anos e brincava com um saco de arroz emoldurado como boneca. Mas tinha tempo contado, pois esse arroz era o único do mês e não tinha muito tempo para brincar. Aprendeu cedo a cozinhar, tinha os dedos infantis queimados no alho e óleo. Muitas vezes, só óleo. Dois anos depois estava quase saindo da 6ª série e tinha fascínio em triturar as coisas. Triturava o lápis, o batom, o alho, a borracha e, enfim, o giz. A professora não entendia o porquê de sua caixa de giz esvaziar tão rapidamente e a menina com as marcas em sua mochila vermelha. Cheirava o giz, tal qual pai e mãe. Aprendia. A imitação era seu melhor presente.

Ato II
Sempre sonhava com a pipoca da esquina. Seu pai nunca tinha dinheiro para o lanche extra. Mal tinha para o sapato surrado. Era aquele que fazia bicos esporadicamente, enquanto a mulher tomava conta dos cinco filhos. E o menino ainda sonhava. Pipoca doce com leite condensado. Pipoca salgada com queijo e bacon. Sonhava com a pipoca e sempre cabisbaixo pelas esquinas da escola. E no tão sonhado dia das crianças, no qual as pobres nada ganham, a não ser a caridade e o desejo estimulado pelo consumismo de mercado, ele ganhou uma pipoca do seu Zé da esquina. Tinha quase 14 anos. Quase um homenzinho e sonhava com aquela pipoca. Comeu um daqueles sacos grandes com bastante queijo e, no final, uma surpresa. Seu Zé fora generoso. Nunca imaginara tamanha bondade. Não jogou o saco fora e deixou para abrir em casa. Deliciou-se. Mal dormiu de tanta satisfação. Sabe a tal felicidade clandestina de Clarice? No dia seguinte, seu Zé, chamou o garoto e perguntou se havia gostado do presente. Assentiu com a cabeça. E seu Zé denunciou: “Vai ter que me pagar garoto, presentinho não é de graça não. Pode tratar de vender essa trouxinha de maconha aqui na escola e bem rapidinho. Vai ter que fazer valer seu nariz feliz ai”. Foi assim que as manchetes de jornal começaram.

Ato III
“Pixaim, tribufu de carvão”, era como era chamada na escola desde cedo, além de muitos outros apelidos. Até alguns professores zombavam de seu cabelo. Sempre pensava que tinha namoradinhos, mas eles, literalmente, lhe chutavam a bunda ou a faziam pegar em seus paus fazendo ser uma brincadeira inocente. Lá estava ela, todo final de aula, com a mão embaixo da mesa de algum menino. O mesmo que, mais tarde, lhe chutaria a bunda, lhe xingaria e até tentaria pôr fogo em seus cabelos. Sim, era negra. Era negra como muitas, mas não se arrumava ou se entendia como periguete do bairro. Todos os dias sentava na calçada da escola e chorava. Chorava muito até perder o fôlego. Um dia, se ergueu. Se ergueu tanto que começaram a lhe pagar pelo programa. Tinha apenas 12 anos e já tinha agenda marcada após a escola. Quem era o pixaim? 

domingo, 23 de dezembro de 2012

HO HO HO - poema nada concreto para o Natal

HO HO HO - poema nada concreto para o Natal 



Se você acha. Procura. Tenha certeza de. Nada. Por quê? Rasgo pele. Estou morta. Estou morta. Enterrem-me. Não! Ponham fogo nela. Merda. Estou morta. Estou morta. Borrem meus lábios. Batom vermelho sangue. Mordam até marcar. Arranquem pedaços: “A parte que te cabe neste latifúndio”. Estou morta. Estou morta. Seja e esteja. Arrumem a cabeça torta. O pescoço quebrado para enxergar melhor. Você. Estou morta. Estou morta. Fechem os olhos de Narciso. Cega de cu. Questionem. Perguntem por. Tirésias. Não me levem flores. Sim! Tulipas são as prediletas. Água? Não! Estão mortas! Estão mortas! As flores e eu.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

troque os discos

Stevie Wonder me disse: "Troque o disco. Já é hora, meu bem".

And The Mighty Hannibal said:

"I don't wanna be the one"

Meus discos estão virando solitários e eu danço. Alucino.
Deslizo em realidade rasa e formato encontros.
Vêm e vão.
Balanço no fio. Na linha. Na teia entre estômago e garganta.

Open your eyes, your mind, your soul and your body.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sobre a morte


Se a morte fosse hoje, seria ela doce? Esta foi a pergunta que me tomou, enquanto eu descia os 17 andares do prédio onde trabalho, que pegou fogo hoje, na Cinelândia. Centenas de pessoas entre o desespero e a risada. Pura catarse. Mulheres desciam chorando. Homens desesperados perdiam limites, que beiravam a violência. Todos em busca da sobrevivência atropelavam uns aos outros. Ali, era instinto, apenas instinto. A cada passo, a cada andar, eu procurava o rosto da morte. Quais seriam suas formas? Teria curvas? Percebi, ali, que a morte nada mais é do que o desconhecido. Não o invisível, porque até o invisível toma sua forma. É o desconhecido. A morte é o porvir. O desconhecido porvir. E a vida: o medo. Seguimos vivendo pela força do medo. No final, ninguém quer ultrapassar a porta do porvir. Estaria eu bem apresentável à morte?

TOC TOC

sábado, 24 de novembro de 2012

Linhas sem sentido





24/09/2012

Para ela, a única saída ainda era a fuga. Desde pequena, recolhia seus livros e cadernos e corria para casa. Não para os braços de sua mãe, mas para as páginas de alguma teoria fora da sua idade. Cresceu sem o confronto. Intelectualizou-se. Reconheceu a sua armadura contra os conflitos da vida. Mal percebera quando se tornou uma chata teórica beirando a arrogância pedante. Tornou-se linha fria, que não fazia sentido. Só havia sentido se tivesse leitores e não os tinha. O único sentido real era a continência metódica para a dor. Era um daqueles livros rejeitados no final da biblioteca. Um livro sem imagens, sem textura, apenas preto no branco. Tinta escorrida sem sentido e sem final. O fim era branco e talvez esperasse por uma única cor. A cor que sempre quis todos esses anos, a cor da presença, a cor do outro. Mas seu final era mais vermelho. Foi incapaz de escrevê-lo por si mesma ou pelos outros. Em suas veias encontrou o começo. Suicidou-se, rasgando-se nas redundâncias silábicas. E o era uma vez nunca poderia fazer sentido numa vida sem contexto e sem personagens.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Maria Bethania

18/11/2012

Maria Bethania é diva. Usa microfone com fio dançando com a destreza das entidades. Sacode sua saia mostrando fios de suas pernas. Esbanja sensualidade com saia até o tornozelo e blusa sem decote. Brilha como a estrela que é. Maria Bethania é diva. Toca nas dores e nas alegrias. Canta com as referências banais e não menos importantes do cotidiano. Canta nossas referências religiosas. Canta a cultura brasileira. Canta o eu. Canta o nós. Canta a solidão e canta a companhia. Canta a mão. Canta o corpo. Maria Bethania é diva. Canta e embrenha a alma em pura e doce poesia.

E digo mais, o show "Carta de Amor" é imperdível. Projeto de iluminação emocionante e belíssima composição com o músico Wagner Tiso.

domingo, 11 de novembro de 2012

A espera em negrito



A espera em negrito

11/11/2012
Esperava sempre pelo negrito no e-mail. Aquilo poderia significar o novo. A mensagem esperada por dias, semanas. Alternava entre o e-mail e a rede social. Fica na expectativa do som do bate papo. Não lia mais nada. Não ouvia nada e ninguém. Na primeira semana, comia compulsivamente. Panela de brigadeiro, bolos de padaria, potes de sorvete de dois litros. Sua geladeira vivia em assalto compulsório da alma. Comia na frente do computador, enquanto o teclado alimentava baratas e moscas. Não atendia mais celular. Ia e voltava do trabalho muda e calada. Mal dormia. Rivotril era o seu único amigo nesse momento. Na segunda semana, começou a perceber que não tinha mais e-mail, mensagem. Nada. Ela havia mandado a primeira mensagem há três semanas e sem resposta. A dúvida a matava a cada dia e, agora, não comia mais e emagrecia. Imaginava que aquele poderia ser o relacionamento certo. Aquele relacionamento do tempo postergado. Aquele relacionamento dos filhos. Aquele relacionamento da conchinha na cama. Aquele relacionamento da pizza de domingo. Aquele relacionamento do cheiro no cangote. Aquele relacionamento do banho matinal cotidiano. Aquele relacionamento com o qual sonhava, mas nunca iria existir. Depois de quase um mês sem reposta, sem sinal, sem mensagens, sem evolução e sem mudanças, percebeu, finalmente, que nada iria existir. Nem seus sonhos, nem seus relacionamentos imaginados, nem ela mesma. Se a vida era vazia, por que a dela seria diferente?

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Pragmatismo





Pragmatismo. Falemos sobre pragmatismo.
06/11/2012 - 00h43
Pragmatismo é considerar a vida.
Pragmatismo é atentar-se ao detalhe.
Pragmatismo é não ser indiferente ao mínimo.
Pragmatismo é encontrar uma flor pelo caminho e colocar no cabelo.
Pragmatismo é ter um aspirador de pó e acreditar na revolução doméstica.
Pragmatismo é ceder.
Pragmatismo é estender a mão.
Pragmatismo é ficar um década com um óculos e descobrir que diminuiu em um grau. (Miopia em sua inversão).
Pragmatismo é assistir seriados de menininhas e chorar como se não houvesse amanhã.
Pragmatismo é comprar uma garrafa de vinho e duas cervejas.
Pragmatismo é segurar a cruz sem medos e pudores.
Pragmatismo é ir a um vidente uma vez e, depois, ligar chorando pela segunda vez.
Pragmatismo é dormir 12 horas por dia no final de semana.
Pragmatismo é entender ciclos.
Pragmatismo é aplaudir o outro.
Pragmatismo é tal e qual.
Pragmatismo é fel.
Pragmatismo é fazer do mínimo o máximo.
Pragmatismo é, simplesmente, felicidade.

Pragmatismo é ser tocado pela vida!

domingo, 4 de novembro de 2012

Salve geral: a ação individual pela autonomia emocional



04/11/2012
O sofrimento a inspirava. A inspirava tanto que era capaz de escolher (in)conscientemente relações falidas. Era capaz de aceitar agressões. Completamente hábil no unidunitê da dor. Acordava sempre de bom humor, embora com muito sono. Gostava de dormir mais de oito horas por dia e de viver as outras 16 em lamentações de Prometeu. A única sabedoria concreta e objetiva era o Rivotril: doce contemporâneo para criancinhas no divã. A loira da TV, as revistas, os outros. Todos diziam que estava gorda, que precisava emagrecer. Ela não via qualquer problema com seu peso, uma vez que todos os seus exames estavam em dia. A estética do belo autoritário e uníssono, em suas ordens de peso e medidas, a assustava com seu discurso pernóstico. Chorava comendo brigadeiro. Chorava lambendo a lata de leite condensado e quase cortando a língua. Chorava comendo uma panela inteira de arroz. Chorava porque não era como os outros. Ela amava ser diferente, mas sabia que certas atitudes - que marcam a diferença - iriam fazê-la sofrer. Tem gente que tem medo de falar palavrão, ela tinha medo de si. Tinha medo da passionalidade de suas muitas mulheres dentro de seu corpo. Todas aquelas que rendiam sua Boceta de Pandora. Era capaz de imaginar complôs em suas diferentes vozes sombrias. Completamente capaz de perder tudo e todos em um só estalar de dedos. Bastava unir seu polegar ao dedo médio e todas as vozes se fariam únicas em um só tom: fim da linha. Ruídos distribuídos entre os paradoxos de um corpo, prestes e disposto a romper. Nem sua menstruação era certeira. Mês sim, mês não. Em seu primeiro aborto, percebeu que apenas a ação individual poderia lhe proporcionar autonomia emocional. A ação. O Ser. A ruptura. Rompeu com todos aqueles sonhos que não eram seus. Rompeu com aqueles ditos e não ditos. Rompeu com a loira da TV. Rompeu com relacionamentos falidos. Rompeu com a aceitação da falta de respeito. Rompeu com os cabelos pesados no meio da multidão. Rompeu com a cólica. Rompeu com o tititi entre bocetas. Rompeu com a falta de pragmatismo. Rompeu com o mundo e, agora, poderia apenas ser. Poderia ser, mesmo com pequenas e inevitáveis doses de sofrimento. Para o seu final, ele não seria o protagonista. Talvez, o antagonista.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Abjeto

nervo em flor
pele em osso
abjeto sou
Não nego
me negam
renegam

Sou Pedro do cantarolar dos galos
tríade não composta
Não nego
me negam
renegam

abjeto sou
boceta que come
e não nega
 
31/10/2012

terça-feira, 30 de outubro de 2012

As luzes da cidade



29/10/2012


Caminho de uma reunião pela Voluntários da Pátria. Penso no texto de quatro páginas que preciso fechar para ontem. Penso nas contas de luz, gás, aluguel e condomínio. Penso na previdência privada. Penso num projeto de mestrado, que não existe. Penso na prefeitura perdida da minha cidade de Campinas. Penso na falência do coração. Penso o quanto eu gosto de sundae de morango. Penso nos quilos que preciso perder. Tomo um sorvete e observo o homem sentado na beira de um cimento alto cantando e rasgando papéis para o nada. Em frente ao cinema e a uma livraria. Canta algo incompreensível, mas tão melódico e, por incrível que pareça, nada melancólico. Vontade de dançar ao som de sua voz. De entregar minhas mãos e cintura. O sorvete quase acaba. O filme começa, tem seu meio e seu fim. “Vivendo o absurdo cotidianamente” foi a frase que ficou em minha mente. Saio do cinema, tomo uma cerveja. Apenas uma, porque a cobrança da segunda-feira não sai da cabeça. Um homem na mesa ao lado grita que precisa de maconha. O garçom assiste à novela das nove. Um contrafilé à campanha, refeição tipicamente carioca. Os talheres do outro caem sobre a mesa sem qualquer guardanapo e a refeição continua sem mais. Apenas uma colher para servir arroz, feijão, vinagrete, fritas, farofa. Sou expansiva e preciso de mais. Mais colheres. Talvez porque elas refletem melhor nossos rostos. Meu pedido é criticado com um olhar. Um determinado olhar e eu continuo usufruindo das minhas três colheres. Atravesso a rua e o homem continua cantando, agora entre fitas de interdição da Defesa Civil. Pego o ônibus e percebo a cidade. A praia e suas luzes. A Iemanjá emergindo da água. Brilhante, imaculada e contraditória entre o côncavo e o convexo. As ruas quase vazias e o ônibus acelera. A adolescente, quase dezessete, sentada no banco do corredor se curva para a janela, fecha os olhos e deixa a brisa marítima marejada pela poluição tocar o seu rosto. Tão suave, tão delicado. Os fios de cabelo dançam harmoniosamente e os olhos pequeninos continuam fechados. Doce vantagem da adolescência. Outra mulher com fones de ouvido lê uma revista de produtos cosméticos. Assinala um ou outro creme e batom. O senhor mais velho cochila e acorda entre um susto e outro. O motorista arrisca um samba e batuca no volante. Tudo isso brilha. Brilha com as luzes da Praça Paris. De repente, você percebe a vida e se emociona com ela.