domingo, 4 de novembro de 2012

Salve geral: a ação individual pela autonomia emocional



04/11/2012
O sofrimento a inspirava. A inspirava tanto que era capaz de escolher (in)conscientemente relações falidas. Era capaz de aceitar agressões. Completamente hábil no unidunitê da dor. Acordava sempre de bom humor, embora com muito sono. Gostava de dormir mais de oito horas por dia e de viver as outras 16 em lamentações de Prometeu. A única sabedoria concreta e objetiva era o Rivotril: doce contemporâneo para criancinhas no divã. A loira da TV, as revistas, os outros. Todos diziam que estava gorda, que precisava emagrecer. Ela não via qualquer problema com seu peso, uma vez que todos os seus exames estavam em dia. A estética do belo autoritário e uníssono, em suas ordens de peso e medidas, a assustava com seu discurso pernóstico. Chorava comendo brigadeiro. Chorava lambendo a lata de leite condensado e quase cortando a língua. Chorava comendo uma panela inteira de arroz. Chorava porque não era como os outros. Ela amava ser diferente, mas sabia que certas atitudes - que marcam a diferença - iriam fazê-la sofrer. Tem gente que tem medo de falar palavrão, ela tinha medo de si. Tinha medo da passionalidade de suas muitas mulheres dentro de seu corpo. Todas aquelas que rendiam sua Boceta de Pandora. Era capaz de imaginar complôs em suas diferentes vozes sombrias. Completamente capaz de perder tudo e todos em um só estalar de dedos. Bastava unir seu polegar ao dedo médio e todas as vozes se fariam únicas em um só tom: fim da linha. Ruídos distribuídos entre os paradoxos de um corpo, prestes e disposto a romper. Nem sua menstruação era certeira. Mês sim, mês não. Em seu primeiro aborto, percebeu que apenas a ação individual poderia lhe proporcionar autonomia emocional. A ação. O Ser. A ruptura. Rompeu com todos aqueles sonhos que não eram seus. Rompeu com aqueles ditos e não ditos. Rompeu com a loira da TV. Rompeu com relacionamentos falidos. Rompeu com a aceitação da falta de respeito. Rompeu com os cabelos pesados no meio da multidão. Rompeu com a cólica. Rompeu com o tititi entre bocetas. Rompeu com a falta de pragmatismo. Rompeu com o mundo e, agora, poderia apenas ser. Poderia ser, mesmo com pequenas e inevitáveis doses de sofrimento. Para o seu final, ele não seria o protagonista. Talvez, o antagonista.

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