terça-feira, 30 de outubro de 2012

As luzes da cidade



29/10/2012


Caminho de uma reunião pela Voluntários da Pátria. Penso no texto de quatro páginas que preciso fechar para ontem. Penso nas contas de luz, gás, aluguel e condomínio. Penso na previdência privada. Penso num projeto de mestrado, que não existe. Penso na prefeitura perdida da minha cidade de Campinas. Penso na falência do coração. Penso o quanto eu gosto de sundae de morango. Penso nos quilos que preciso perder. Tomo um sorvete e observo o homem sentado na beira de um cimento alto cantando e rasgando papéis para o nada. Em frente ao cinema e a uma livraria. Canta algo incompreensível, mas tão melódico e, por incrível que pareça, nada melancólico. Vontade de dançar ao som de sua voz. De entregar minhas mãos e cintura. O sorvete quase acaba. O filme começa, tem seu meio e seu fim. “Vivendo o absurdo cotidianamente” foi a frase que ficou em minha mente. Saio do cinema, tomo uma cerveja. Apenas uma, porque a cobrança da segunda-feira não sai da cabeça. Um homem na mesa ao lado grita que precisa de maconha. O garçom assiste à novela das nove. Um contrafilé à campanha, refeição tipicamente carioca. Os talheres do outro caem sobre a mesa sem qualquer guardanapo e a refeição continua sem mais. Apenas uma colher para servir arroz, feijão, vinagrete, fritas, farofa. Sou expansiva e preciso de mais. Mais colheres. Talvez porque elas refletem melhor nossos rostos. Meu pedido é criticado com um olhar. Um determinado olhar e eu continuo usufruindo das minhas três colheres. Atravesso a rua e o homem continua cantando, agora entre fitas de interdição da Defesa Civil. Pego o ônibus e percebo a cidade. A praia e suas luzes. A Iemanjá emergindo da água. Brilhante, imaculada e contraditória entre o côncavo e o convexo. As ruas quase vazias e o ônibus acelera. A adolescente, quase dezessete, sentada no banco do corredor se curva para a janela, fecha os olhos e deixa a brisa marítima marejada pela poluição tocar o seu rosto. Tão suave, tão delicado. Os fios de cabelo dançam harmoniosamente e os olhos pequeninos continuam fechados. Doce vantagem da adolescência. Outra mulher com fones de ouvido lê uma revista de produtos cosméticos. Assinala um ou outro creme e batom. O senhor mais velho cochila e acorda entre um susto e outro. O motorista arrisca um samba e batuca no volante. Tudo isso brilha. Brilha com as luzes da Praça Paris. De repente, você percebe a vida e se emociona com ela.

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