29/10/2012
Caminho de uma reunião pela Voluntários da Pátria. Penso no
texto de quatro páginas que preciso fechar para ontem. Penso nas contas de luz,
gás, aluguel e condomínio. Penso na previdência privada. Penso num projeto de
mestrado, que não existe. Penso na prefeitura perdida da minha cidade de
Campinas. Penso na falência do coração. Penso o quanto eu gosto de sundae de
morango. Penso nos quilos que preciso perder. Tomo um sorvete e observo o homem
sentado na beira de um cimento alto cantando e rasgando papéis para o nada. Em frente
ao cinema e a uma livraria. Canta algo incompreensível, mas tão melódico e, por
incrível que pareça, nada melancólico. Vontade de dançar ao som de sua voz. De entregar
minhas mãos e cintura. O sorvete quase acaba. O filme começa, tem seu meio e
seu fim. “Vivendo o absurdo cotidianamente” foi a frase que ficou em minha mente.
Saio do cinema, tomo uma cerveja. Apenas uma, porque a cobrança da segunda-feira
não sai da cabeça. Um homem na mesa ao lado grita que precisa de maconha. O garçom
assiste à novela das nove. Um contrafilé à campanha, refeição tipicamente carioca.
Os talheres do outro caem sobre a mesa sem qualquer guardanapo e a refeição
continua sem mais. Apenas uma colher para servir arroz, feijão, vinagrete,
fritas, farofa. Sou expansiva e preciso de mais. Mais colheres. Talvez porque
elas refletem melhor nossos rostos. Meu pedido é criticado com um olhar. Um determinado
olhar e eu continuo usufruindo das minhas três colheres. Atravesso a rua e o
homem continua cantando, agora entre fitas de interdição da Defesa Civil. Pego o
ônibus e percebo a cidade. A praia e suas luzes. A Iemanjá emergindo da água. Brilhante,
imaculada e contraditória entre o côncavo e o convexo. As ruas quase vazias e o
ônibus acelera. A adolescente, quase dezessete, sentada no banco do corredor se
curva para a janela, fecha os olhos e deixa a brisa marítima marejada pela
poluição tocar o seu rosto. Tão suave, tão delicado. Os fios de cabelo dançam
harmoniosamente e os olhos pequeninos continuam fechados. Doce vantagem da
adolescência. Outra mulher com fones de ouvido lê uma revista de produtos
cosméticos. Assinala um ou outro creme e batom. O senhor mais velho cochila e
acorda entre um susto e outro. O motorista arrisca um samba e batuca no
volante. Tudo isso brilha. Brilha com as luzes da Praça Paris. De repente, você
percebe a vida e se emociona com ela.
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