sábado, 20 de dezembro de 2008

Noites de senhoras no Centro de Campinas

Noites de senhoras no Centro de Campinas

20/12/2008 - Para Larissa e Bruna

Deslumbrou-se com o tapete vermelho em plena Francisco Glicério, estendido por uma tal ótica. Poderia usar seu salto novo com glamour. Ficou ali, na esquina com a Benjamin Constant. Quase 22 horas. Aquele movimento clandestino das noites campineiras lhe excitava. Inspirava um céu arredio. Inspirava ofertas e procuras. Inspirava uma ode aos ratos sem Chico. Sabia que a baixa dos pneus era o prelúdio de sua noite. Gostava de desfilar pelo tapete vermelho, sentir-se iluminada pela Lua e ovacionada pelas buzinas. Fechava até os olhos e girava o corpo esquálido pela esquina. Tinha apenas a Lua como espectadora fiel. E o farol anunciava o fim do espetáculo. É hora de abrir os olhos e as pernas. Depois de algumas horas, ficou em alguma esquina da Vila Industrial. Precisava voltar ao Centro, ao seu tapete vermelho. E mais um farol lhe assistiu. Ainda precisava de mais alguns faróis nesta noite. Era o seu lampião de submundo. Seguiu pelas ruas. Foi passando. Entre lençóis vagabundos de um hotel barato da região boca-de-lixo, bem ali, no caminho entre o Terminal Central e a Estação Cultura. Entre estofados encardidos forrados com desejo e instinto. Entre sonhos de olhos cerrados. Caminhou da Saldanha Marinho até a Moraes Salles. 5 da manhã. Parou em um desses botecos vulgares e cúmplices de uma noite clandestina. Logo veio a primeira cerveja e, com ela, o primeiro acompanhante de mesa. O homem espiou seu decote, apalpou-lhe os seios e entre as coxas publicamente. Um ato despudorado consentido pelo entorno. Foi ao banheiro e a conta estava paga. Agora era sua vez. “- Ô Vicentão, traz uma cerveja aí para mim. Ah! E dois copos”. Já estava só na mesa e o garçom lhe trouxe o pedido. Encheu os dois copos e o menino lhe questionou: “- Mas, por que dois copos se está sozinha”. “- E quem disse que estou sozinha?”, respondeu. Rubro e desconcertado o menino foi até o balcão ajudar uma cliente. Ficou assim: brindando consigo mesma, para que pensassem que estava acompanhada. Queria beber sua cerveja sozinha, simplesmente isso, sem ser incomodada. Arrancou um guardanapo e começou a limpar sua maquiagem convalescente. Vermelho e preto eram os resquícios de sua face. Estava cansada, seus pés doíam, suas costas incomodavam. E, duas cervejas depois, ainda pensava no tapete vermelho. Juntou o dinheiro da bolsa. Cerca de R$150. O sol trocava de lugar com a Lua. Já eram sete da manhã. Pediu algo para comer, estava com fome e teria preguiça de chegar em casa e cozinhar. Promoção do dia: caldo de mandioca! Sentia-se um pouco bêbada, mas precisava manter-se acordada. Foi até o banheiro, repudiou sua cara lavada no espelho. Desenrolou e cheirou. Quase nove da manhã e o boteco já fechava. Enrolou sua bolsa na mão e seguiu andando, mesmo com os pés doloridos, bolhas nas solas e machucados nos calcanhares. O salto lhe matava. Desceu pela Francisco Glicério. As pessoas olhavam, matinais em seu julgamento. Ergueu a cabeça e seguiu em frente. Parou em uma dessas lojas de roupas, quase não foi atendida, mas insistiu, brigou. Saiu de lá com roupa nova. Até passou um batom, enquanto esperava o semáforo abrir. Continuou pela Glicério e o seu tapete vermelho estava lá. Não era mais seu, estava ocupado por transeuntes. Estreou seu vestido novo, especial para a valsa dos quereres. Dançou entre pedestres, seguranças, vendedores, sem se importar com comentários. Depois de minutos dançando, seus pés escarlates revelavam o sangue que escorria pela sarjeta. Caiu de joelhos. Caíram lágrimas. Caíram os sonhos. E a polícia chegou.

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