quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Divagações de uma motorista

09/12/2008

Cinco da manhã e lá estava eu tomando café. Chego ao exame da auto-escola às seis e meia e poucos já haviam chegado. Uma menina me pede informação. Afinal, este seria um dos primeiros exames a serem realizados no local. Nem eu sabia responder às suas perguntas, pois estávamos na mesma situação: alguém da família recebeu o recado e repassou, enquanto a dúvida pairou. Comigo foi assim: viajei na quinta. Gosto de ficar incomunicável, pelo menos, parcialmente. Sexta-feira recebi uma mensagem de minha mãe avisando que meu exame seria dia 9, nesta terça-feira, após o feriado em um local que eu nunca havia treinado ou estado antes. Ir ou não ir? Go or not to go? Eu precisava ir, porque, certamente, a auto-escola me cobraria a falta. Portanto, melhor ir. Cheguei na madrugada de segunda-feira em casa e amanheci com Henry e June.

A menina estava na mesma situação. Veio de Jaguariúna apenas para realizar o exame, também receosa pela cobrança da falta, caso viesse a faltar. Buscamos nossos instrutores e para quem acompanhou meus diários por aí, sabe que não me dei bem no início. No entanto, ao realizar a famigerada mudança de instrutor, eis que surge o santo. Santo Fernando. Um senhor simpático e, principalmente, paciente. E ainda dividíamos coincidências: eu conhecia o filho dele, a nora... São Fernando me ensinou a arrumar os espelhos, a realizar curvas abertas ou fechadas no momento certo e a dirigir um carro sem direção hidráulica! Confesso: é um horror. Mas Fernando me ensinou que posso ser uma boa motorista, apesar de ser mais cômodo transitar como passageira. Fiz questão de pagar aulas a mais e quando tudo ia bem: greve dos policiais civis. Reivindicações justas que atrasaram minha prova em quase um mês e não me permitiram aulas extras momentos antes.

Sabendo da notícia que iria realizar o exame no dia seguinte de meu retorno a Campinas, pedi a uma amiga que saísse de carro comigo. Fui e voltei guiando, sem deixar o carro morrer, fazendo paradas obrigatórias, sinalizando, mas sem usar a terceira marcha, apenas a segunda, ela me era suficiente. E, neste momento, minha amiga disse:

- Cá, você não vai passar no exame, mas é normal.

Ouvi tranquilamente e não questionei, porque sabia de minhas fragilidades. Continuemos a falar sobre o exame. Depois de algumas horas de espera, finalmente, encontro São Fernando e, com ele, outros alunos. Blá, blá, blá. Eu sei! Eu sei! Rita Lee estava certa: “eu sou mais macho que muito homem”. Sim! São Fernando tinha duas alunas frágeis demais para o meu gosto, uma queria chorar, a outra não parava de falar em reprovação e regras teóricas. Blá, blá, blá. William era diferente, ficava quieto a maior parte do tempo e convidou-me a sentar em uma dessas sombras de esquina.

- Não entendo como você pode ser tão zen assim?! Como mantém a calma? – ele me questionou.
- William, faça-me esta pergunta após a minha prova e talvez entenderá. – lhe respondi.

- Quem vai primeiro? – perguntou uma das meninas que, coincidentemente, chamava-se Camila.

Eu e William nos prontificamos. Ele primeiro e eu a segunda. Fomos nós dois no carro. Enquanto aguardávamos o delegado entrar, William testava o carro e eu apenas bocejava e ouvia conversas do outro lado.

- E aí? Foi à assembléia ontem? – perguntou o delegado a um dos instrutores.

E, ao avistar o delegado, rapidamente, divaguei. Que assembléia seria esta? Assembléia de Deus? Será que se eu dissesse que era evangélica ele me aprovaria? Assembléia dos policiais civis? Devo explicitar toda a minha solidariedade à greve? Ou simplesmente achá-lo bonitão e simpático? Nada disso. E podem acreditar, pensei em tudo isso em apenas alguns minutos. São aqueles pensamentos que todos têm, mas não admitem. O delegado entrou no carro e nos cumprimentou educadamente. William deu partida, fez uma curva difícil com valeta e meio quarteirão depois estacionou em uma sombra para trocar de lugar comigo. Ele passou.

Pus o cinto, arrumei os espelhos, liguei o carro, pus a primeira e arranquei. E quem disse que o carro saia do lugar? Esqueci do freio de mão. Falta! Percebo a luz vermelha no painel, abaixo o freio de mão e sigo em frente já com as pernas tremendo. Faz-me rir. Quem disse que consigo seguir em frente? Nada do ponto da embreagem, o carro quase morre, mas piso forte, tento novamente o ponto, piso forte novamente, lá vai o ponto e a aceleração nada. O carro morre. Tento novamente. Insisto e nada. Aliás, tudo, o carro morre. Mais uma tentativa e já desisto. Vai morrer mesmo, então deixo morrer e o delegado diz:

- Pode descer Camila, troca de lugar comigo.

Desço e o delegado arranca para o local de início da prova. Olho sorrateiramente para William que tem mais cara de assustado e arrasado do que eu. Ali comecei a sentir vergonha, não por mim, mas pelo William. Parecia que ele sofria mais do que eu pela minha derrota.

- Camila, você disse para eu te perguntar como você se mantinha tão calma e zen. – perguntou-me William.
- Ah sim! Fácil. Desde o início eu sabia que eu não passaria... Só não esperava que o carro não saísse do lugar. Foi um pouco pior do que imaginei.

Meu instrutor, meu São Fernando, estava inconformado:

- Camila, eu te conheço. O que aconteceu?
- Nem eu sei meu querido Fernando, nem eu sei.

Perdi oito pontos, fui reprovada direto sem passar pela baliza. Saí de lá quase onze da manhã. São Fernando ainda me deixou em um ponto de ônibus próximo e já combinava comigo as próximas aulas. Ligo meu celular e meu amigo Gabriel, curioso, me telefona. Conto a ele. Ficou mal, mas não tão mal quanto William. Fiquei até envergonhada pela feição que ele fez com a minha reprova. Estas coisas acontecem e não antecipo sofrimentos ou fico remoendo, mas William me deixou triste por um momento. Pronto, passou!

Aviso algumas pessoas sobre minha reprovação direta e enfio-me no trabalho. Até sumo durante o dia, não propositalmente. Vou almoçar com umas amigas em um restaurante e na fila do caixa vejo alguns sacos de lichia à venda. Pego um deles e uma das meninas diz:

- Esta fruta não parece um clitóris?

E ainda me perguntam de onde tiro minhas idéias. É a vida. Vida que passa. Passarinhadeira. E assim William, o delegado, as meninas e o meu instrutor passaram pela minha vida. E na TV: Capitu me aparece tatuada dividindo um giz com Bento. Se eu passar na prova prometo... prometo... prometo nada! E aos céus nenhum favor deverei!

Saldo final: nenhum cigarro e nenhum porre!

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