domingo, 21 de dezembro de 2008


Mulher e tulipas


21/12/2008

Derrama teu último desejo
contradições à espreita
sou uma mulher de tulipas
vermelhas, brancas ou amarelas

abomino essa estética do medo
que aflige
flagela
e esfacela pétalas

sedenta e escarlate
anuncia o não-amanhã
sou uma mulher
que vem da primavera de ontem

teu perfume varonil
atrai negligência aos pobres
sou uma mulher
dessas nada comuns

desmancha
e arrebata a virgindade dos botões
sou uma mulher
apenas aurora

perdão em teus jardins
carregados de fel
sou uma mulher
pronta para a próxima dança.



Redundâncias sobre Natal


Redundâncias sobre Natal


21/12/2008

Tragou seu último cigarro da noite acompanhado por Janis Joplin. Lembrava-se de sua mãe que sempre colocava vinis de rock’n roll para os filhos dormirem. Ficou ali, embriagado pela solidão entre quatro paredes. Sabia que era um pecador e também um bom homem. A culpa cristã amenizava seus pecados. E, em seu confessionário doméstico, rememorou. Trepou com muitas mulheres e não levou nenhuma a sério. Desejou a mulher do próximo e não teve vergonha de seguir em frente. Fechou os vidros do carro para as crianças que batiam. Coisas comuns de um homem comum. E Ferreira Gullar continuava em sua cabeceira. Os ponteiros eram seus inimigos e atormentavam em seu tic tac. Tic tac. Olhou pela varanda e as travestis ocupavam as ruas, enquanto sua samambaia fenecia. “Foda-se”, pensou. Desceu para comprar cigarros com a incerteza da volta. O submundo da noite entrava em cena pelas esquinas. Um maço de cigarros, um vinho tinto e uma travesti, Kéllem. Sua compra estava feita e teria companhia para a noite. Chegou em casa e deixou Kéllem à vontade. Tirou comida congelada e pôs no microondas. Vinte minutos para o jantar. Aproveitou para abrir o vinho. Serviu em taças longas. Kéllem sentou-se no sofá, pernas cruzadas para a esquerda e o homem comum tirou suas sandálias. Fez massagem nos pés calejados. Preparou a banheira, entupiu de sais e aromatizantes, pôs uma música e acendeu velas. Tomou Kéllem pelas mãos como se fosse uma rainha. Tirou-lhe a roupa cuidadosamente e a colocou na banheira. Deu-lhe banho como se fosse sua mãe. Kéllem quase dormiu, mas manteve-se atenta. Existiam regras: não podiam conversar ou pronunciar qualquer palavra. Eram mudos na solidão e nas contradições de corpos. Depois de lavar o corpo transeunte, o homem comum estendeu-lhe um roupão, secou e penteou seus cabelos. A comida estava pronta. Sentaram-se à mesa. Tomaram mais vinho e comeram uma dessas lasanhas congeladas. E o homem comum balbuciou:

“Feliz Natal”.

Comeram. E, na TV, Roberto Carlos redundava.

"Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar".

(trecho do poema Homem Comum de Ferreira Gullar)


sábado, 20 de dezembro de 2008

Noites de senhoras no Centro de Campinas

Noites de senhoras no Centro de Campinas

20/12/2008 - Para Larissa e Bruna

Deslumbrou-se com o tapete vermelho em plena Francisco Glicério, estendido por uma tal ótica. Poderia usar seu salto novo com glamour. Ficou ali, na esquina com a Benjamin Constant. Quase 22 horas. Aquele movimento clandestino das noites campineiras lhe excitava. Inspirava um céu arredio. Inspirava ofertas e procuras. Inspirava uma ode aos ratos sem Chico. Sabia que a baixa dos pneus era o prelúdio de sua noite. Gostava de desfilar pelo tapete vermelho, sentir-se iluminada pela Lua e ovacionada pelas buzinas. Fechava até os olhos e girava o corpo esquálido pela esquina. Tinha apenas a Lua como espectadora fiel. E o farol anunciava o fim do espetáculo. É hora de abrir os olhos e as pernas. Depois de algumas horas, ficou em alguma esquina da Vila Industrial. Precisava voltar ao Centro, ao seu tapete vermelho. E mais um farol lhe assistiu. Ainda precisava de mais alguns faróis nesta noite. Era o seu lampião de submundo. Seguiu pelas ruas. Foi passando. Entre lençóis vagabundos de um hotel barato da região boca-de-lixo, bem ali, no caminho entre o Terminal Central e a Estação Cultura. Entre estofados encardidos forrados com desejo e instinto. Entre sonhos de olhos cerrados. Caminhou da Saldanha Marinho até a Moraes Salles. 5 da manhã. Parou em um desses botecos vulgares e cúmplices de uma noite clandestina. Logo veio a primeira cerveja e, com ela, o primeiro acompanhante de mesa. O homem espiou seu decote, apalpou-lhe os seios e entre as coxas publicamente. Um ato despudorado consentido pelo entorno. Foi ao banheiro e a conta estava paga. Agora era sua vez. “- Ô Vicentão, traz uma cerveja aí para mim. Ah! E dois copos”. Já estava só na mesa e o garçom lhe trouxe o pedido. Encheu os dois copos e o menino lhe questionou: “- Mas, por que dois copos se está sozinha”. “- E quem disse que estou sozinha?”, respondeu. Rubro e desconcertado o menino foi até o balcão ajudar uma cliente. Ficou assim: brindando consigo mesma, para que pensassem que estava acompanhada. Queria beber sua cerveja sozinha, simplesmente isso, sem ser incomodada. Arrancou um guardanapo e começou a limpar sua maquiagem convalescente. Vermelho e preto eram os resquícios de sua face. Estava cansada, seus pés doíam, suas costas incomodavam. E, duas cervejas depois, ainda pensava no tapete vermelho. Juntou o dinheiro da bolsa. Cerca de R$150. O sol trocava de lugar com a Lua. Já eram sete da manhã. Pediu algo para comer, estava com fome e teria preguiça de chegar em casa e cozinhar. Promoção do dia: caldo de mandioca! Sentia-se um pouco bêbada, mas precisava manter-se acordada. Foi até o banheiro, repudiou sua cara lavada no espelho. Desenrolou e cheirou. Quase nove da manhã e o boteco já fechava. Enrolou sua bolsa na mão e seguiu andando, mesmo com os pés doloridos, bolhas nas solas e machucados nos calcanhares. O salto lhe matava. Desceu pela Francisco Glicério. As pessoas olhavam, matinais em seu julgamento. Ergueu a cabeça e seguiu em frente. Parou em uma dessas lojas de roupas, quase não foi atendida, mas insistiu, brigou. Saiu de lá com roupa nova. Até passou um batom, enquanto esperava o semáforo abrir. Continuou pela Glicério e o seu tapete vermelho estava lá. Não era mais seu, estava ocupado por transeuntes. Estreou seu vestido novo, especial para a valsa dos quereres. Dançou entre pedestres, seguranças, vendedores, sem se importar com comentários. Depois de minutos dançando, seus pés escarlates revelavam o sangue que escorria pela sarjeta. Caiu de joelhos. Caíram lágrimas. Caíram os sonhos. E a polícia chegou.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Noites de um Barão em Campinas

18/12/2008

Senhor Barão de Jaguara Nu e Cru

Descendo a rua viva do senhor Barão de Jaguara de Campinas. 22 horas: prostitutas, cafetões, drogas, silêncio e negócios. Mas é preciso lembrar. Logo ali, um auto de Natal. O Largo do Pará com seus bonecos de neve, estrelas, luzes, trenós em pleno cotidiano tropical. Crianças rondam o Papai Noel e da sua barba branca apenas uma semelhança: a cor do pó de cocaína que aspiram. Branco como um floco de neve.

Senhor Barão de Itapura Esfomeado e Miserável

Rec, rec, rec. Este era o som que suas latinhas faziam ao encostar ao chão da avenida Barão de Itapura. Ainda tinha poucas, cerca de 50. E seus pés cansados naquele chinelo Havaianas azul e branco resolveram parar. Bolsos vazios e rasgados. Estômago vazio e rasgado. Apoiou-se em uma grade de ferro branca descascada. Secou o suor de seu rosto, linhas calejadas de miséria, enquanto pensava no quê levar ao jantar das netas. Sentiu a umidade em sua mão. Era o cachorro da casa lambendo seus dedos. Havia encostado em uma casa. E ficou ali a brincar com o cãozinho, sem ninguém lhe perceber.

Senhor Barão Geraldo Devasso e Oportunista


Terminal fechado. Ônibus na garagem. Sem dinheiro. Táxi nem pensar. Sem amigos. O que faria para sair da terra do Senhor Barão Geraldo? Sabia que logo a expulsariam. Andou e a noite estava alta. Andou e a estrada chegava. Andou e a Senhora estrada da Rhodia se aproximava. Tomou coragem, abaixou a calcinha e levantou a saia. E um desses carros importados, recém-saídos de um belo senhor condomínio fez-lhe o favor. E quem pagou a conta?

QUEM PAGOU A CONTA? MALDITOS BARÕES!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Homenagem póstuma para a dita cuja


15/12/2008

Camila Marins está fora do ar. Por quanto tempo? E eu vou lá saber... O importante é que, a partir de agora, eu assumirei as linhas digitais deste blog. Sim! Eu mesmo: AMARELO MANGA COM VERDE ABACATE PORRA.



Homenagem póstuma para a dita cuja


De cama

Olhos confabulam tremores febris
e apenas pés são vislumbrados
toda a indignação transforma-se
em véu sobre a cama

oferta-me sua última hóstia

lençóis doentios sorvem o velo
de uma melancolia esgarçada em linho
seu corpo doente lamenta
e suplica pela extrema unção

oferta-me sua última hóstia

comerá Cristo em sua própria cama
lúbrica em movimentos

oferta-me sua última hóstia

apenas enxergará pés
pés não cobertos por chagas
os pés de sua própria cama.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Quem é você?


Quem é você?

11/12/2008


Ato I

Continuo solitária nessa imensa platéia de teatro. Ao meu redor, o nada e à frente máscaras dançam entre sorrisos e lágrimas. Pessoas gritam todo o pragmatismo de um mundo sem dono abanando o rabo para todos os lados. Sombras de Hamlet anunciam dúvidas de uma alma indignada. Alguém toca um jazz e a poltrona me excita em tom melancólico. Entre as coxias procuro um fantasma e nem sinto cheiro de uma ópera de subúrbio, apenas alteridade. Ouço línguas febris de uma torre de babel falaciosa que insiste em me cooptar para a cama do rei. Recuso lençóis fracionados e incansavelmente incertos.

Ato II

Cubra-me com o mais puro veludo. Sei que prefere o veludo escarlate, a cor roubada da Dama das Camélias, a cor que jorra entre pernas. Conte-me estórias em conta-gotas, pois vou deitar e rolar entre pétalas de fel. Arranca minha roupa e dança nu entre sombras. Delira em teus maiores sonhos, porque são eles que vão no vão do espelho. As entrelinhas gritam e quase posso ouvir gargalhadas de desespero da barbárie. Ouço, vejo, sinto e cheiro toda a tua dor que invade o meu peito sem licença e nada faz sentido. Talvez você seja o mundo, mas não é o mundo que eu queria. Não é o mundo que carrego em minha mente e em meu coração. Não importa se vou para a cama com Lênin ou Trotski, meus lençóis são seus e meu corpo dança sua valsa de insuficiências. Já no fim do espetáculo derreto-me nua pelo chão de taco e ainda tenho forças para o último ato: o apagar das luzes.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Divagações de uma motorista

09/12/2008

Cinco da manhã e lá estava eu tomando café. Chego ao exame da auto-escola às seis e meia e poucos já haviam chegado. Uma menina me pede informação. Afinal, este seria um dos primeiros exames a serem realizados no local. Nem eu sabia responder às suas perguntas, pois estávamos na mesma situação: alguém da família recebeu o recado e repassou, enquanto a dúvida pairou. Comigo foi assim: viajei na quinta. Gosto de ficar incomunicável, pelo menos, parcialmente. Sexta-feira recebi uma mensagem de minha mãe avisando que meu exame seria dia 9, nesta terça-feira, após o feriado em um local que eu nunca havia treinado ou estado antes. Ir ou não ir? Go or not to go? Eu precisava ir, porque, certamente, a auto-escola me cobraria a falta. Portanto, melhor ir. Cheguei na madrugada de segunda-feira em casa e amanheci com Henry e June.

A menina estava na mesma situação. Veio de Jaguariúna apenas para realizar o exame, também receosa pela cobrança da falta, caso viesse a faltar. Buscamos nossos instrutores e para quem acompanhou meus diários por aí, sabe que não me dei bem no início. No entanto, ao realizar a famigerada mudança de instrutor, eis que surge o santo. Santo Fernando. Um senhor simpático e, principalmente, paciente. E ainda dividíamos coincidências: eu conhecia o filho dele, a nora... São Fernando me ensinou a arrumar os espelhos, a realizar curvas abertas ou fechadas no momento certo e a dirigir um carro sem direção hidráulica! Confesso: é um horror. Mas Fernando me ensinou que posso ser uma boa motorista, apesar de ser mais cômodo transitar como passageira. Fiz questão de pagar aulas a mais e quando tudo ia bem: greve dos policiais civis. Reivindicações justas que atrasaram minha prova em quase um mês e não me permitiram aulas extras momentos antes.

Sabendo da notícia que iria realizar o exame no dia seguinte de meu retorno a Campinas, pedi a uma amiga que saísse de carro comigo. Fui e voltei guiando, sem deixar o carro morrer, fazendo paradas obrigatórias, sinalizando, mas sem usar a terceira marcha, apenas a segunda, ela me era suficiente. E, neste momento, minha amiga disse:

- Cá, você não vai passar no exame, mas é normal.

Ouvi tranquilamente e não questionei, porque sabia de minhas fragilidades. Continuemos a falar sobre o exame. Depois de algumas horas de espera, finalmente, encontro São Fernando e, com ele, outros alunos. Blá, blá, blá. Eu sei! Eu sei! Rita Lee estava certa: “eu sou mais macho que muito homem”. Sim! São Fernando tinha duas alunas frágeis demais para o meu gosto, uma queria chorar, a outra não parava de falar em reprovação e regras teóricas. Blá, blá, blá. William era diferente, ficava quieto a maior parte do tempo e convidou-me a sentar em uma dessas sombras de esquina.

- Não entendo como você pode ser tão zen assim?! Como mantém a calma? – ele me questionou.
- William, faça-me esta pergunta após a minha prova e talvez entenderá. – lhe respondi.

- Quem vai primeiro? – perguntou uma das meninas que, coincidentemente, chamava-se Camila.

Eu e William nos prontificamos. Ele primeiro e eu a segunda. Fomos nós dois no carro. Enquanto aguardávamos o delegado entrar, William testava o carro e eu apenas bocejava e ouvia conversas do outro lado.

- E aí? Foi à assembléia ontem? – perguntou o delegado a um dos instrutores.

E, ao avistar o delegado, rapidamente, divaguei. Que assembléia seria esta? Assembléia de Deus? Será que se eu dissesse que era evangélica ele me aprovaria? Assembléia dos policiais civis? Devo explicitar toda a minha solidariedade à greve? Ou simplesmente achá-lo bonitão e simpático? Nada disso. E podem acreditar, pensei em tudo isso em apenas alguns minutos. São aqueles pensamentos que todos têm, mas não admitem. O delegado entrou no carro e nos cumprimentou educadamente. William deu partida, fez uma curva difícil com valeta e meio quarteirão depois estacionou em uma sombra para trocar de lugar comigo. Ele passou.

Pus o cinto, arrumei os espelhos, liguei o carro, pus a primeira e arranquei. E quem disse que o carro saia do lugar? Esqueci do freio de mão. Falta! Percebo a luz vermelha no painel, abaixo o freio de mão e sigo em frente já com as pernas tremendo. Faz-me rir. Quem disse que consigo seguir em frente? Nada do ponto da embreagem, o carro quase morre, mas piso forte, tento novamente o ponto, piso forte novamente, lá vai o ponto e a aceleração nada. O carro morre. Tento novamente. Insisto e nada. Aliás, tudo, o carro morre. Mais uma tentativa e já desisto. Vai morrer mesmo, então deixo morrer e o delegado diz:

- Pode descer Camila, troca de lugar comigo.

Desço e o delegado arranca para o local de início da prova. Olho sorrateiramente para William que tem mais cara de assustado e arrasado do que eu. Ali comecei a sentir vergonha, não por mim, mas pelo William. Parecia que ele sofria mais do que eu pela minha derrota.

- Camila, você disse para eu te perguntar como você se mantinha tão calma e zen. – perguntou-me William.
- Ah sim! Fácil. Desde o início eu sabia que eu não passaria... Só não esperava que o carro não saísse do lugar. Foi um pouco pior do que imaginei.

Meu instrutor, meu São Fernando, estava inconformado:

- Camila, eu te conheço. O que aconteceu?
- Nem eu sei meu querido Fernando, nem eu sei.

Perdi oito pontos, fui reprovada direto sem passar pela baliza. Saí de lá quase onze da manhã. São Fernando ainda me deixou em um ponto de ônibus próximo e já combinava comigo as próximas aulas. Ligo meu celular e meu amigo Gabriel, curioso, me telefona. Conto a ele. Ficou mal, mas não tão mal quanto William. Fiquei até envergonhada pela feição que ele fez com a minha reprova. Estas coisas acontecem e não antecipo sofrimentos ou fico remoendo, mas William me deixou triste por um momento. Pronto, passou!

Aviso algumas pessoas sobre minha reprovação direta e enfio-me no trabalho. Até sumo durante o dia, não propositalmente. Vou almoçar com umas amigas em um restaurante e na fila do caixa vejo alguns sacos de lichia à venda. Pego um deles e uma das meninas diz:

- Esta fruta não parece um clitóris?

E ainda me perguntam de onde tiro minhas idéias. É a vida. Vida que passa. Passarinhadeira. E assim William, o delegado, as meninas e o meu instrutor passaram pela minha vida. E na TV: Capitu me aparece tatuada dividindo um giz com Bento. Se eu passar na prova prometo... prometo... prometo nada! E aos céus nenhum favor deverei!

Saldo final: nenhum cigarro e nenhum porre!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Confissões entre seios


Confissões entre seios

07/12/2008

Acordou com aquela ressaca de final de semana. Boca seca, corpo dolorido, cabeça pesada e no espelho roxos descobertos. Não se lembrava do que havia acontecido, apenas algumas memórias representadas por camisinhas e pétalas de margarida no chão. Sem preocupação com o arrependimento pretérito, entrou no banho ainda com desejo. Com a toalha enrolada na cintura, deixou o banheiro e cinco mensagens na secretária já lhe aguardavam. Eram suas amigas curiosas. Mesmo assim, marcou um almoço.

Foi para a casa de Clarice e as quatro já estavam lá, jogadas na cama de casal em frente à TV. Fofocas, comentários sobre a noite, beijos dados e beijos não dados, estes eram apenas alguns dos assuntos do dia seguinte. Por mais que fossem amigos há anos, algumas situações ainda o incomodavam, pareciam mundos diferentes que teria de fingir algumas ações e reações. No entanto, concomitante a isso, sentia-se liberto ao lado delas, uma sinceridade meramente estranha. Joana está grávida e sente desejo de sorvete. Clarice a critica dizendo que é manha, mas Maria vai até a cozinha buscar-lhe o sorvete. As mulheres falam sobre gravidez, amamentação, filhos, relacionamentos, enquanto Pedro as observa de um modo soturno, porém atento. E quando ele percebe, as quatro estão de seios à mostra quase em uma competição feminina.

- Eu vou amamentar pouco, mas Clarice vai dar leite até dizer chega.
- Parem de besteira, meninas. Até parece que este tipo de comparação influencia a amamentação, é algo natural.

Ouviu os diálogos e a vitória de Clarice. Continuou a observar as amigas com os seios de fora: de todos os tamanhos, cores e bicos, enquanto na televisão, o Globo Repórter mostrava índias também de seios à mostra quase no umbigo. Ficou questionando a diferença entre suas amigas desnudas e aquelas índias. Resolveu contar.

- Meninas, transei com uma mulher ontem à noite. – revelou Pedro.

Perplexas e um tanto exclamativas, as amigas questionaram sua sexualidade.

- Foi com aquela mulher do balcão com a flor no cabelo?
- Margarida, Clarice. Eram margaridas em seus cabelos. E sim, foi com ela e não me arrependo.

Imediatamente, as mulheres cobriram os seios e continuaram o interrogatório. Passava de Pedro, o amigo gay para Pedro, o oprimido. Joana, que sempre tivera uma queda pelo amigo, não se conformava.

- Meninas, acalmem-se. Não é porque sou gay que não posso ter relações com mulheres. Foi uma surpresa boa, da experiência à libertação. Ela é sensível, inteligente e muito atraente. Quando percebi já estávamos na cama gozando ao mesmo tempo. Sorvi cada detalhe feminino, cada defeito, cada qualidade, talvez aquilo que nos uniu sejam nossas mentes. A inocência daquela mulher me excitava mais do que qualquer fantasia sexual. Ela não era a minha vagabunda. Ela não era a minha santa. Ela era minha, simplesmente. Aquele momento era nosso. Apenas duas mentes em sua discreta orgia.

Neste momento, panos descobriram os seios das amigas que já não se importavam. Lágrimas marcavam colos femininos. Pedro abandonou as amigas com o Globo Repórter ainda com a ressaca de devassidão. Queria encontrar aquela mulher novamente, mas nem seu nome sabia. Sonhava em levá-la ao leito novamente, mas sabia que era praticamente impossível. E o impossível continuou a lhe excitar pelo resto da vida.