segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Diário de uma motorista – parte II – uma questão de gênero

13/10/2008

Não tenho nenhuma poderosa de Guevara, mas tenho dirigido um Gol 1.0 com direção hidráulica nas aulas da minha auto-escola. Nunca pensei que direção hidráulica fizesse tanta falta. Sábado fui treinar com uma solidária amiga e a direção me deu um trabalho... Desde o fim-de-semana avancei em alguns pontos, por exemplo: aprendi a direcionar os espelhos! Ah. Lembram-se que eu ia trocar de instrutor? Pois bem, não consegui, porque só havia horário disponível para o final do mês e, para não perder mais tempo, continuei com o mesmo. Hoje, começamos com o percurso que, por incrível que pareça, é a minha maior dificuldade. Baliza é o meu forte, faço e desfaço quantas vezes forem necessárias. No entanto, o percurso me aflige. Talvez eu tenha me contaminado pelo vício daqueles que já dirigem como: não parar em parada obrigatória, dar apenas uma olhadinha e seguir em frente. Se tem uma coisa que irrita meu instrutor é a subida. Sim! Eu não consigo embalar o carro o suficiente e na descida eu embalo. Tudo errado! Preciso segurar mais na descida e forçar na subida. Outra coisa: minhas paradas obrigatórias são muito bruscas, o corpo chega até o painel! Ou eu freio bruscamente ou vou devagar e não alcanço a visibilidade da rua e tenho que ficar soltando aos poucos para alcançar o ponto certo. Está difícil. Muito difícil. Lembro-me da minha primeira aula em que eu via mulheres saindo chorando das aulas práticas e eu só pensava: “Nossa, elas só reforçam a questão do gênero e do machismo”. Não! Ainda não chorei e nem vou chorar! Em hipótese alguma, mas, hoje, compreendo a angústia destas companheiras.

A maioria dos instrutores são homens, uns mais velhos e outros mais novos. Os mais velhos se dividem nas seguintes categorias: os senhores bem mais velhos parecem com avôs de tão calmos e pacientes e os de meia-idade mal-humorados estão interessados em terminar o quanto antes a aula (essa é a faixa do meu instrutor). Já os mais novos, se dividem entre paquerar as menininhas ou tratá-las mal, especialmente, se elas não forem tão atraentes e forem humildes. Pois é, mulheres de minha Campinas: estamos ferradas, mas não chorem! É perceptível o tratamento com os homens, principalmente, porque a maioria deles já entra sabendo dirigir e os instrutores respeitam os homens. É impressionante! Não sou daquelas feministas que queimam sutiã, mas sou feminista sim! E, com certeza, a auto-escola é um forte ambiente de opressão. Hoje, acho que fiz umas cinco balizas sem necessidade, porque essa manobra é muito fácil para mim, enquanto o meu percurso continua frágil. No fim da aula, já subindo a Marechal Carmona para ir embora, uma mulher me parou na esquina e perguntou:

- “Também saiu da aula?”

- “Sim. É sua última semana?”, perguntei.

- “Graças a Deus é minha última semana sim. Não agüento mais e acho que terei de pagar umas aulas extras, porque não me sinto preparada para o exame”

Eu, já feliz por encontrar uma confidente para partilhar minhas angústias de trânsito, começo:

- “Eu também não me sinto preparada, meu instrutor não passa nenhuma instrução. Estou com medo do percurso e blá blá blá”, contei-lhe algumas situações pelas quais já passei e ela também se identificou, mas o seu problema era a baliza e não o percurso.

Ela também dirige um Gol 1.0 e o seu instrutor é um homem que tem um pouco mais de meia-idade e grita de vez em quando. Antes de ir embora, algumas mulheres me abordaram na fila da presença e, ao também compartilhar meu martírio com elas, fui aconselhada a mudar de instrutor. Depois de explicar-lhes que não era possível, elas me estenderam um olhar solidário e compartilharam experiências comigo. Cada uma delas com uma história pior ou mais engraçada. Ficamos ali, a compartilhar em nossa identidade e, em nossos pensamentos, talvez permanecesse a seguinte vontade: instrutores realmente capacitados para lidar com alunos que não saibam sequer arrumar os espelhos ou instrutores sensíveis às causas femininas. Enquanto isso, nós decidimos em nossa confidência o seguinte: “Foda-se”. E, se alguém resolver nos maltratar, não hesitaremos em revidar.

“Que nada nos defina.
Que nada nos sujeite.
Que a liberdade seja a nossa própria substância”.

Simone de Beauvoir


Um comentário:

Anônimo disse...

Simone.
Sou instrutor formado em um centro de Curitiba(Pr) mais ainda não tive a oputunidade de trabalhar na area, pois, sou instrutor em uma empresa de onibus.
Pelo que parece o cfc onde voce esta fazendo suas aulas não dos melhores.
Para que outras pessoas não saiam chorando sugiro que passae esta informação para o Diretor de Ensino . Precisamos de pessoas capacitadas e não Merda de instrutores, pois, e dever do instrutor ser calmo e gentil já que esta e sua profissão. Bota a Boca