quinta-feira, 28 de julho de 2011

Novo Código florestal propõe anistia aos desmatadores


Crédito Foto: Marcello Casal Jr/ Abr

Uma conquista histórica, a função social da terra, vem sendo ameaçada com as alterações previstas no Código Florestal, aprovadas em maio. De acordo com o artigo 186 da Constituição Federal e seus incisos, a propriedade privada só terá direitos resguardados se, junto com os padrões de produtividade, seja cumprida legislação ambiental e trabalhista; e sua posse não gere conflitos e atenda às demandas sociais. As alterações liberam o uso de Áreas de Preservação Permanentes (APPs), além de anistiar a dívida dos desmatadores, diminuir a faixa de utilização das margens dos rios e prever a recomposição com espécies exóticas.

De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), existem aproximadamente 13 mil multas, com total de R$2,4 bilhões, até julho de 2008. Coincidentemente, a maior parte das multas aconteceu devido ao desmatamento ilegal de APPs e de reservas legais em grandes propriedades da Amazônia.  “Querem apagar essa dívida que rola desde 1965 (criação do Código Florestal) para zerar a história criminosa de grandes corporações. Também há uma intenção clara de expansão do modelo atual de agronegócio para as APPs”, explicou o sociólogo e coordenador regional da Fase Espírito Santo, Marcelo Calazans.

Uma pesquisa divulgada pela Datafolha apontou que 85% da população brasileira é contra o novo Código Florestal. A aferição foi feita a partir de duas escolhas: a primeira delas: se o cidadão preferiria priorizar a proteção de florestas e rios, ainda que isso penalizasse a agricultura; ou se preferiria priorizar a produção agrícola, ainda que com efeitos ambientais negativos. A maioria dos pesquisados também se manifestaram contra a anistia dos desmatadores. “Não se trata apenas de anistia, significa confirmar o modelo atual baseado em determinados pilares: a monocultura; a produção em larga escala; o ciclo curto por meio de engenharia genética (transgênicos)”, ratificou Calazans.

Já o engenheiro florestal e representante da Via Campesina, Luiz Zarref, acredita que a possibilidade de recompor em qualquer área é muito perigosa. “Certamente, a recomposição será feita em terras mais baratas, geralmente, aquelas utilizadas pela agricultura camponesa e familiar, enquanto as terras do latifúndio custam cerca de R$ 10 a R$ 15 mil reais o hectare”, afirmou. Este pode representar um caminho para minar dia a dia as plantações da agricultura familiar e romper estruturalmente com esse processo.

Em relação ao ponto que se refere à recomposição com espécies exóticas, Zarref crê que está prevista a plantação de palmas africanas. “Foram constatados 36 milhões de hectares aptos a produzir palmas na Amazônia, com vistas no biodiesel”, alertou. Quanto à plantação de eucaliptos, por exemplo, Calazans destacou que o período entre plantio e corte nos anos 1970 era de 13 a 15 anos e, hoje, é de apenas cinco anos. “Esta lógica só é sustentável quimicamente por meio de agrotóxicos, que além de expandir a monocultura, promove a concentração da riqueza, já que este mercado movimenta dezenas de bilhões ao ano, sem contar a soja e o gado”, disse.

Compensações de carbono
O debate sobre o Código Florestal tem implicações também internacionais, especialmente nas negociações sobre mudanças climáticas, caracterizadas, por exemplo, com o protocolo de Quioto. Com este tratado ficou acordado que os países diminuiriam a emissão de gás carbônico. Isso porque um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 1998, informou que se não houvesse redução de 70 a 80% na emissão de gases, o aquecimento global se multiplicaria. O Brasil não é, pelo protocolo, obrigado a reduzir emissões por ser considerado país em desenvolvimento. No entanto, existem metas voluntárias de diminuição de emissões, especialmente a partir da diminuição do desmatamento. “Como não haveria negociação entre os principais países emissores de carbono, foram criados Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) para que os países do Norte reduzissem cerca de 5% e compensassem com plantações em países do Sul”, elucidou Calazans.

Os países do Norte são considerados aqueles que participaram antes do processo de revolução industrial e que, consequentemente, poluem mais e há mais tempo. “Os países financiam plantações de eucalipto. Por exemplo, a British Petroleum que planta eucaliptos em Minas Gerais “, exemplificou. A plantação de eucaliptos pode provocar a seca de fontes de água, a erosão e o desmatamento acelerado das regiões, além de colocar em risco a soberania alimentar do país com o incentivo da monocultura.

Caminhos a trilhar
O novo Código Florestal ainda irá para o Senado. “Uma estratégia importante é o avanço do debate na sociedade brasileira. Ao contrário do que os ruralistas pensaram, o tema atingiu o todos cidadãos, até mesmo pelos próprios efeitos da crise climática vivida no país, como enchentes. Creio que se realizássemos um amplo plebiscito, o agronegócio perderia. Agora, temos um caminho de resistência a trilhar”, destacou Calazans.

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