terça-feira, 11 de agosto de 2009

SOLIDARIEDADE ÀS MULHERES PERUANAS


por Michelle Amaral da Silva última modificação 06/08/2009 11:42- JORNAL BRASIL DE FATO

Líder indígena Lourdes Huanca relata as dificuldades vividas pelas mulheres da Amazônia Peruana e a perseguição a líderanças de movimentos sociais no país

06/08/2009


Fabíola Munhoz
Amazonia.org.br



A presidente da Federação Nacional de Mulheres Camponesas, Artesãs Indígenas, Nativas e Assalariadas do Peru (Femucarina), Lourdes Huanca, concedeu uma entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br. A conversa aconteceu durante passagem da líder indígena pelo Brasil, no mês passado, quando participou de um Encontro Pan-Amazônico, que reuniu cerca de 200 pessoas de nove países amazônicos- Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Peru e Colômbia-, em Belém (PA).

Lourdes contou as dificuldades que as mulheres que trabalham no campo e indígenas da Amazônia Peruana enfrentam hoje e disse que está sendo perseguida pelo governo do presidente do Peru, Alan García, correndo o risco de ser presa a qualquer momento por discordar das políticas neoliberais do governante. Confira.

O que trouxe o movimento das mulheres indígenas peruanas ao Brasil?

Lourdes Huanca - Para nós, é muito importante estar em Belém e no Fórum Social Panamazonico. Pudemos ver o que acontece aqui e mostramos o que está se passando em nosso país. Temos que esperar a solidariedade única de todos os povos e de todos os países. Neste momento, não pode haver barreiras. No Peru, a situação está muito crítica porque temos um presidente que é aliado da política neoliberal. Nós lideranças homens e mulheres - estamos sendo perseguidos politicamente. A perseguição dos
dirigentes é tão forte que não sabemos se, ao regressar ao Peru, vamos chegar tranquilas ou seremos detidas.

Por quais direitos as mulheres peruanas da Amazônia lutam hoje?

Lourdes - As mulheres que trabalham no campo e indígenas do Peru estão sendo violentadas. Não há igualdade de tratamento a elas quanto ao salário. A mulher trabalha o mesmo que o homem nas transnacionais do Peru, o homem recebe muito mais do que as mulheres. É uma diferença abismal. Nós lutamos, então, por uma igualdade de oportunidades, de direitos no trabalho. Hoje, nas empresas transnacionais de nosso país, existem 80% de mulheres trabalhando. Elas são exploradas e não tem direito à saúde, ou de ter meia hora, ou uma hora, para almoçar. Por isso, estamos lutando. E corremos perigo porque o governo atual cria leis e decretos a favor dessas grandes empresas transnacionais para que, por exemplo, elas avancem sobre nossas terras para produzir biocombustíveis. Por isso, houve uma grande matança de índios no nosso país em 5 de junho. Seguimos lutando, apesar de correr risco de morte e sermos perseguidas.

Que outras formas de violência as mulheres vêm sofrendo?

Lourdes - Há uma região de nosso país onde estão instalados os paramilitares com a suposta finalidade de erradicar o tráfico de drogas. Esses militares estão abusando sexualmente das nossas jovens. E onde houver militares acontecerá isso porque nós, mulheres indígenas e trabalhadoras rurais, não temos direito a uma vida digna, segundo o governo.

Para García, os trabalhadores rurais e indígenas são da terceira classe. Por isso, os soldados fazem o que bem entendem. Em 1985, no primeiro governo do atual presidente, houve um massacre, uma matança de camponeses. Quando saímos à mobilização, os paramilitares saem a disparar e a matar. Nosso temor é que voltem a se apropriar de nossos direitos e a violentar nossa dignidade, abusando de nossas meninas. Há um problema muito grande em nosso país, e penso que em toda a América Latina onde tenha penetrado a política neoliberal.

Por que as mulheres indígenas e camponesas são contra os últimos decretos criados pelo governo de Garcia?

Lourdes - As leis que estão sendo feitas em nosso país são criadas contra os campesinos e indígenas e violentam o direito desses povos a ter uma vida digna. De acordo com a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), deveria ser assegurada a proteção de toda terra ou território, bem como da cultura, de indígenas e campesinos. Essa convenção, o presidente atual violou porque, como se fosse o grande senhor, ele entrega as nossas terras aos grandes.

No Peru, vocês e outros movimentos sociais são criminalizados?

Lourdes - Como dirigentes, corremos riscos. Temos várias companheiras perseguidas, vivendo na clandestinidade, porque há ordem para que sejam capturadas. Temos um líder campesino que está hoje em risco na floresta amazônica do Peru. Ele recebeu balas no confronte de 5 de junho e sua situação de saúde é delicada. Ele está cercado por polícias e mal tratado psicologicamente agora. Como dirigentes, assumimos esse risco, pois, se não seguirmos lutando, vão privatizar a terra, vão privatizar a água, vão
nos impor à força sementes transgênicas e vão nos tornar consumistas. Assim, nós campesinos e indígenas seremos reduzidos a nada. Mas, não queremos isso. Creio que só lutando podemos conseguir o respeito e a soberania do nosso país.

Quais são os grupos perseguidos pelo governo Garcia hoje?

Lourdes - São movimentos indígenas e do campo. Há também companheiros da cidade. Todos são dirigentes que, como nós, reclamam por justiça e pedem que não se venda a terra e não se privatize a água. Dizem que somos terroristas porque saímos pelas ruas a nos mobilizar. Por isso, para nós, hoje, regressar ao Peru é um pouco preocupante. Recentemente, quando um
companheiro nosso, também líder campesino, voltava ao Peru, foi detido no aeroporto. Nós não sabemos como estará quando estivermos voltando. Nossas companheiras peruanas nos dizem para que tenhamos cuidado porque pode haver ordens de detenção contra nós. Mas, não sabemos de nada porque eles não avisam, não dão antes uma notificação. Só vão lá e te detêm.

Como vocês estão convivendo com a perseguição do governo?


Lourdes - Sabemos que nossas companheiras que estão clandestinas vêm sendo protegidas por outras companheiras solitárias. Um de nossos companheiros, o líder indígena Alberto Pizango [atualmente refugiado na Nigarágua] não se encontra com a gente em nosso país. Preferimos que ele se refugiasse em outro lugar porque, se ele fosse detido, sua vida correria perigo. Caso detido, ele não seria somente preso, mas também torturado e morto. Tememos que também nos detenham e nos façam esperar na cadeia que a Justiça venha nos libertar porque é injusto que nos prendam. Outro temor é que nos torturem, ou nos matem e depois façam parecer que foi tudo um simples acidente, ou uma briga entre bandidos do cárcere.

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