quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

olhar de perdição ou salvação




20 de janeiro


Quase fui assaltada. Na loja Casa e Vídeo, localizada na Praia de Botafogo. Por volta das 22h30. Havia passado o dia em retiro budista, fui ao cinema e, em seguida, fui comprar uma antena para minha TV nova. Situações pelas quais milhares de pessoas no país estão excluídas. R$34,99 foi o valor da antena. Paguei com uma nota de R$100 e, no momento em que a caixa estava para me retornar o troco, fui abordada por um menino que mal batia no meu ombro. Ele me mostrava moedas em suas mãos e me pedia R$1 para comer. Cheguei a olhar para os lados em busca de alguma comida, mas os caixas dessas lojas só tinham balas e chocolates. Suas mãos tremiam, estavam sujas, percebi a sujeira por baixo de suas unhas, percebi seus dedos magros e delicados, percebi suas veias.

Ele usava um boné meio de lado, tinha os lábios ressecados, a pele negra, os olhos arregalados e o desespero estampado. Essa criança - inocente – escondia-se dentro de um corpo calejado tragado pelas drogas. Não sabia bem o que falava ou fazia e, ao notar os seguranças se aproximando, rapidamente veio para cima da minha carteira. E, quando eu ia tentar acalmá-lo, fui interceptada e, praticamente, inerte a qualquer ação, haja vista a reação das pessoas no entorno. Então, vi aquela mão no ombro do menino, questionando e o impedindo de vir para cima de mim. Tentaram me proteger, mas essa atitude dolorosa incitou ainda mais a violência natural que o abuso das drogas proporciona. Começamos a ser ameaçadas, pois estava com uma amiga. Os seguranças o levaram para fora e ainda me atentei para que não batessem nele. A criança explanava palavrões e prometia se vingar. Dizia: “Quer ver se você não vai me dar essa carteira? Vem aqui fora, que eu vou pegar de qualquer jeito e quero só ver”. Imediatamente, uma das caixas veio até mim e disse para esperar um pouco para sair, pois o garoto chamaria sua turma para nos assaltar ou fazer coisa pior.

E eu vi o olhar dessa criança: de desespero, um olhar vazio e profundo no total desconhecido. Claro que tive medo nesse momento. Não iria mais pegar o tradicional ônibus para a Lapa na praia. Teria que entrar em um táxi, mas como? O medo me tomou e os seguranças disseram: “Vai logo por aqui, entra em umas ruas e vai entrando pelo bairro que tudo vai ficar bem”. Nessa altura do campeonato, apressamos o passo até a esquina e pegamos o primeiro táxi.

O que quero questionar é: violência se paga com violência? Ok, posso acreditar demais no ser humano, mas acredito que uma simples conversa ou tentativa de acalmá-lo pudesse fazê-lo mudar de ideia. Afinal, quem em sã consciência entraria em uma loja e abordaria alguém na boca do caixa? Principalmente, quando seguranças estavam prontos a interceptá-lo? Estava fora de si. Uma criança perdida, destinada a “brincar” de esconde-esconde de si mesma e da própria sociedade. É claro que critiquei minha amiga por ter me defendido e interceptado a criança daquela maneira, pois eu não acredito nessa reprodução de comportamentos. Mas, também compreendo a atitude dela, pois vivemos numa sociedade regida pelo medo.

A mudança deve partir de nós mesmos, em primeiro lugar. Isso, é claro, se quisermos nos organizar numa sociedade mais justa, solidária e igual. Deixei minha amiga em casa e disse ao taxista: “Fica difícil ter esperança num mundo desses”. E ele, generosamente, acalentou minha alma: “Não. Eu tenho esperança sim. É só o que nos resta, porque, um dia, quero ter o orgulho de dizer para o meu neto que, sim, fiz parte dessa mudança. Fiz parte do processo de mudança para uma sociedade melhor”. Pronto, era isso que eu precisava ouvir para dormir melhor. Boa noite a todos.


3 comentários:

Deia disse...

Amiga, como sempre tocou no fundo da alma..Lindo, lindo demais!

Gilka disse...

Ótima a resposta do taxista. Solidária e política. Ele se nota como um ser que pode promover a mudança. Podemos!

Beijos, beijos! Gilka

Juliana Bertoni disse...

Gostaria que mais pessoas pensassem como esse taxista...