sábado, 24 de novembro de 2012

Linhas sem sentido





24/09/2012

Para ela, a única saída ainda era a fuga. Desde pequena, recolhia seus livros e cadernos e corria para casa. Não para os braços de sua mãe, mas para as páginas de alguma teoria fora da sua idade. Cresceu sem o confronto. Intelectualizou-se. Reconheceu a sua armadura contra os conflitos da vida. Mal percebera quando se tornou uma chata teórica beirando a arrogância pedante. Tornou-se linha fria, que não fazia sentido. Só havia sentido se tivesse leitores e não os tinha. O único sentido real era a continência metódica para a dor. Era um daqueles livros rejeitados no final da biblioteca. Um livro sem imagens, sem textura, apenas preto no branco. Tinta escorrida sem sentido e sem final. O fim era branco e talvez esperasse por uma única cor. A cor que sempre quis todos esses anos, a cor da presença, a cor do outro. Mas seu final era mais vermelho. Foi incapaz de escrevê-lo por si mesma ou pelos outros. Em suas veias encontrou o começo. Suicidou-se, rasgando-se nas redundâncias silábicas. E o era uma vez nunca poderia fazer sentido numa vida sem contexto e sem personagens.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Maria Bethania

18/11/2012

Maria Bethania é diva. Usa microfone com fio dançando com a destreza das entidades. Sacode sua saia mostrando fios de suas pernas. Esbanja sensualidade com saia até o tornozelo e blusa sem decote. Brilha como a estrela que é. Maria Bethania é diva. Toca nas dores e nas alegrias. Canta com as referências banais e não menos importantes do cotidiano. Canta nossas referências religiosas. Canta a cultura brasileira. Canta o eu. Canta o nós. Canta a solidão e canta a companhia. Canta a mão. Canta o corpo. Maria Bethania é diva. Canta e embrenha a alma em pura e doce poesia.

E digo mais, o show "Carta de Amor" é imperdível. Projeto de iluminação emocionante e belíssima composição com o músico Wagner Tiso.

domingo, 11 de novembro de 2012

A espera em negrito



A espera em negrito

11/11/2012
Esperava sempre pelo negrito no e-mail. Aquilo poderia significar o novo. A mensagem esperada por dias, semanas. Alternava entre o e-mail e a rede social. Fica na expectativa do som do bate papo. Não lia mais nada. Não ouvia nada e ninguém. Na primeira semana, comia compulsivamente. Panela de brigadeiro, bolos de padaria, potes de sorvete de dois litros. Sua geladeira vivia em assalto compulsório da alma. Comia na frente do computador, enquanto o teclado alimentava baratas e moscas. Não atendia mais celular. Ia e voltava do trabalho muda e calada. Mal dormia. Rivotril era o seu único amigo nesse momento. Na segunda semana, começou a perceber que não tinha mais e-mail, mensagem. Nada. Ela havia mandado a primeira mensagem há três semanas e sem resposta. A dúvida a matava a cada dia e, agora, não comia mais e emagrecia. Imaginava que aquele poderia ser o relacionamento certo. Aquele relacionamento do tempo postergado. Aquele relacionamento dos filhos. Aquele relacionamento da conchinha na cama. Aquele relacionamento da pizza de domingo. Aquele relacionamento do cheiro no cangote. Aquele relacionamento do banho matinal cotidiano. Aquele relacionamento com o qual sonhava, mas nunca iria existir. Depois de quase um mês sem reposta, sem sinal, sem mensagens, sem evolução e sem mudanças, percebeu, finalmente, que nada iria existir. Nem seus sonhos, nem seus relacionamentos imaginados, nem ela mesma. Se a vida era vazia, por que a dela seria diferente?

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Pragmatismo





Pragmatismo. Falemos sobre pragmatismo.
06/11/2012 - 00h43
Pragmatismo é considerar a vida.
Pragmatismo é atentar-se ao detalhe.
Pragmatismo é não ser indiferente ao mínimo.
Pragmatismo é encontrar uma flor pelo caminho e colocar no cabelo.
Pragmatismo é ter um aspirador de pó e acreditar na revolução doméstica.
Pragmatismo é ceder.
Pragmatismo é estender a mão.
Pragmatismo é ficar um década com um óculos e descobrir que diminuiu em um grau. (Miopia em sua inversão).
Pragmatismo é assistir seriados de menininhas e chorar como se não houvesse amanhã.
Pragmatismo é comprar uma garrafa de vinho e duas cervejas.
Pragmatismo é segurar a cruz sem medos e pudores.
Pragmatismo é ir a um vidente uma vez e, depois, ligar chorando pela segunda vez.
Pragmatismo é dormir 12 horas por dia no final de semana.
Pragmatismo é entender ciclos.
Pragmatismo é aplaudir o outro.
Pragmatismo é tal e qual.
Pragmatismo é fel.
Pragmatismo é fazer do mínimo o máximo.
Pragmatismo é, simplesmente, felicidade.

Pragmatismo é ser tocado pela vida!

domingo, 4 de novembro de 2012

Salve geral: a ação individual pela autonomia emocional



04/11/2012
O sofrimento a inspirava. A inspirava tanto que era capaz de escolher (in)conscientemente relações falidas. Era capaz de aceitar agressões. Completamente hábil no unidunitê da dor. Acordava sempre de bom humor, embora com muito sono. Gostava de dormir mais de oito horas por dia e de viver as outras 16 em lamentações de Prometeu. A única sabedoria concreta e objetiva era o Rivotril: doce contemporâneo para criancinhas no divã. A loira da TV, as revistas, os outros. Todos diziam que estava gorda, que precisava emagrecer. Ela não via qualquer problema com seu peso, uma vez que todos os seus exames estavam em dia. A estética do belo autoritário e uníssono, em suas ordens de peso e medidas, a assustava com seu discurso pernóstico. Chorava comendo brigadeiro. Chorava lambendo a lata de leite condensado e quase cortando a língua. Chorava comendo uma panela inteira de arroz. Chorava porque não era como os outros. Ela amava ser diferente, mas sabia que certas atitudes - que marcam a diferença - iriam fazê-la sofrer. Tem gente que tem medo de falar palavrão, ela tinha medo de si. Tinha medo da passionalidade de suas muitas mulheres dentro de seu corpo. Todas aquelas que rendiam sua Boceta de Pandora. Era capaz de imaginar complôs em suas diferentes vozes sombrias. Completamente capaz de perder tudo e todos em um só estalar de dedos. Bastava unir seu polegar ao dedo médio e todas as vozes se fariam únicas em um só tom: fim da linha. Ruídos distribuídos entre os paradoxos de um corpo, prestes e disposto a romper. Nem sua menstruação era certeira. Mês sim, mês não. Em seu primeiro aborto, percebeu que apenas a ação individual poderia lhe proporcionar autonomia emocional. A ação. O Ser. A ruptura. Rompeu com todos aqueles sonhos que não eram seus. Rompeu com aqueles ditos e não ditos. Rompeu com a loira da TV. Rompeu com relacionamentos falidos. Rompeu com a aceitação da falta de respeito. Rompeu com os cabelos pesados no meio da multidão. Rompeu com a cólica. Rompeu com o tititi entre bocetas. Rompeu com a falta de pragmatismo. Rompeu com o mundo e, agora, poderia apenas ser. Poderia ser, mesmo com pequenas e inevitáveis doses de sofrimento. Para o seu final, ele não seria o protagonista. Talvez, o antagonista.