terça-feira, 15 de julho de 2008

Tríade de Mondrian
(foi-se a foice)

Camila Marins – 15/07/2008

Sentou-se na calçada, acomodando o calcanhar no asfalto. Gostava de observar as variações dos semáforos. Ainda aprendia as cores. Sua mãe lhe ensinava que vermelho era do coração; verde grama e amarelo sol. Entre as três ainda preferia o vermelho. Seus colegas de primário zombavam:

- marica! marica!

Não se importava e, todos os dias, continuava ali, com seus calcanhares encostados naquele asfalto duro. Contava os segundos de uma cor a outra e, assim, treinava sua matemática. Um dia, até a geometria lhe atiçou. Triângulos, metros, linhas. Perturbação exclusiva em sua excentricidade. Levantou-se diante daquela cena de Mondrian. Correu quase brincando de pega-pega entre os carros. Finalmente, ajoelhou-se. Tic tac. Lambeu os beiços. Olhou para seus dedos infantis maculados pelo vermelho coração. As gotas pingavam e escorriam em direção aos seus calcanhares. Quase difuso em sangue o pequeno enfant foi-se afogando aos poucos. Foi-se. Foi-se. Cada vértebra de sua coluna era esmagada pelo asfalto. Buzinas, sinalização e triângulos. Foi-se. Foi-se. Foi-se.

tic tac
tic tac
tic
...

aqui jaz...
ainda não sabia escrever e deixou sua lápide assim: em branco
tic tac
tic tac
tic
...


2 comentários:

Maíla Diamante disse...

estonteante. O.o

Carolina Cristina disse...

e triste...