quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Abjeto

nervo em flor
pele em osso
abjeto sou
Não nego
me negam
renegam

Sou Pedro do cantarolar dos galos
tríade não composta
Não nego
me negam
renegam

abjeto sou
boceta que come
e não nega
 
31/10/2012

terça-feira, 30 de outubro de 2012

As luzes da cidade



29/10/2012


Caminho de uma reunião pela Voluntários da Pátria. Penso no texto de quatro páginas que preciso fechar para ontem. Penso nas contas de luz, gás, aluguel e condomínio. Penso na previdência privada. Penso num projeto de mestrado, que não existe. Penso na prefeitura perdida da minha cidade de Campinas. Penso na falência do coração. Penso o quanto eu gosto de sundae de morango. Penso nos quilos que preciso perder. Tomo um sorvete e observo o homem sentado na beira de um cimento alto cantando e rasgando papéis para o nada. Em frente ao cinema e a uma livraria. Canta algo incompreensível, mas tão melódico e, por incrível que pareça, nada melancólico. Vontade de dançar ao som de sua voz. De entregar minhas mãos e cintura. O sorvete quase acaba. O filme começa, tem seu meio e seu fim. “Vivendo o absurdo cotidianamente” foi a frase que ficou em minha mente. Saio do cinema, tomo uma cerveja. Apenas uma, porque a cobrança da segunda-feira não sai da cabeça. Um homem na mesa ao lado grita que precisa de maconha. O garçom assiste à novela das nove. Um contrafilé à campanha, refeição tipicamente carioca. Os talheres do outro caem sobre a mesa sem qualquer guardanapo e a refeição continua sem mais. Apenas uma colher para servir arroz, feijão, vinagrete, fritas, farofa. Sou expansiva e preciso de mais. Mais colheres. Talvez porque elas refletem melhor nossos rostos. Meu pedido é criticado com um olhar. Um determinado olhar e eu continuo usufruindo das minhas três colheres. Atravesso a rua e o homem continua cantando, agora entre fitas de interdição da Defesa Civil. Pego o ônibus e percebo a cidade. A praia e suas luzes. A Iemanjá emergindo da água. Brilhante, imaculada e contraditória entre o côncavo e o convexo. As ruas quase vazias e o ônibus acelera. A adolescente, quase dezessete, sentada no banco do corredor se curva para a janela, fecha os olhos e deixa a brisa marítima marejada pela poluição tocar o seu rosto. Tão suave, tão delicado. Os fios de cabelo dançam harmoniosamente e os olhos pequeninos continuam fechados. Doce vantagem da adolescência. Outra mulher com fones de ouvido lê uma revista de produtos cosméticos. Assinala um ou outro creme e batom. O senhor mais velho cochila e acorda entre um susto e outro. O motorista arrisca um samba e batuca no volante. Tudo isso brilha. Brilha com as luzes da Praça Paris. De repente, você percebe a vida e se emociona com ela.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A flor da noite

A flor da noite. Sonho acordada em noites insones. O sonho está em toda parte e confundo-me entre dia e noite. Cílios e pálpebras. Pupila e dilatação. O véu dos meus sonhos se desfaz pouco a pouco em sereno. Gotas geladas escorrem por entre vãos: rugas, lábios, seios, pernas. Cochilo no intervalo permissivo da vida, enquanto perco minhas lembranças e renovo os fatos. Não sou mais, apenas era uma vez. Um instante.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Boceta de Pandora no jornal O Globo - Coluna Gente Boa - Joaquim Ferreira dos Santos

Boceta de Pandora no jornal O Globo - Coluna Gente Boa - Joaquim Ferreira dos Santos

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Histórias de um consultório


Duas vezes nessa semana: avisto o número do ônibus, tenho certeza de que é o certo e acabo em algum lugar nada a ver com o meu real destino. Enxergar nunca foi tão complicado. Chegar também não

Hipercorreção da miopia. Este foi o primeiro diagnóstico de um oftalmologista ao diagnosticar que meu grau havia diminuído em um grau. Caso raro, segundo o tal homem. Eu saí do consultório com a felicidade ao lado e, especialmente, com a raridade de mãos dadas. Sim, eu fazia parte de mais uma numeração, mas, desta vez, fazia parte dos casos raros de hipercorreção. Me bateu aquela sensação de ser única. Uma raridade.

Pois bem, aprendi que bastam algumas palavras para o mundinho criado na mente se desfazer como pó em mesa de cabeceira. Perdi a receita e tive que marcar novamente a consulta. Não consegui com o mesmo oftalmologista e aproveitei para ir a outro. Mais velho, mais sério e um consultório bem decorado. A impressão foi ótima. Foi seco no diagnóstico: o seu caso não é uma hipercorreção e sim, falha de diagnóstico. Ali, toda a minha expectativa de não ser apenas mais uma e sim UMA das.  Minha miopia continuava com menos um grau em cada lente, mas, segundo este médico, foi um erro de diagnóstico lá atrás. Anos atrás.

De acordo com sua teoria, eu estava usando um grau maior do que deveria. Mesmo assim, com um grau a mais em cada lente, sou incapaz de olhar para aquilo que está mais próximo: eu mesma. Aquilo. A quilo. A quilômetros de distância: eu mesma.