sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Sim! Sou negra!

Sim! Sou negra!



“Por favor, você poderia encher a garrafa de café?”. Foi exatamente isso que ouvi em um evento que fui cobrir destinado a engenheiros e advogados. Apenas respondi à elegante senhora: “Desculpe, mas eu também gostaria de tomar um café. Sabe onde podemos encher?”. Fui cobrir a atividade para fazer uma matéria sobre o pré-sal e a cor do petróleo se fez presente. Sim, sou negra!

Há algumas semanas outro fato interessante aconteceu. Eu estava entrando na minha casa quando a vizinha me abordou e perguntou se eu era a tratadora dos gatos que criamos em casa... Eu disse que não e que morava ali e ela insistiu: “Você mora onde? Aqui no bairro?”. Eu disse não, moro neste apartamento. E ela, um pouco sem graça, continuou a conversa sem eira nem beira e, ao final, ainda me cumprimentou com um beijo no rosto, gesto que não foi feito no início da conversa. Ou seja, tentou contornar a situação com um beijo de Judas.

Agora, nesta segunda-feira passada, estava chegando do aeroporto, vindo de Manaus, com muita bagagem e o porteiro prestativo interfonou no meu apartamento e disse: “Olha só, sua secretária está subindo com um monte de malas, alguém pode ajudá-la?”. Meu amigo questionou se era nossa secretária doméstica e o porteiro disse: “Não, é a Camila”. Então, novamente, eis a confusão. Não me importa ser confundida com secretárias, domésticas ou qualquer outra profissão, o que realmente me importa é a violência do preconceito racial. E a dimensão desta dor poucos conhecem. Ou talvez muitos, já que a maioria de nós faz parte da imensa parcela de excluídos.

E, mesmo diante de situações cotidianas como as descritas acima, nós, excluídas e excluídos, ainda somos acusados de vitimização. Inadmissível, pois só corrobora para a hipocrisia e praticamente ignora o preconceito. Não adianta me dizer que no Brasil não existe preconceito. Existe sim e convivemos com essa dor cotidianamente. Outros ainda me dizem: “Você não é negra. É morena de cabelo cacheado”. Então, me respondam se eu não sou negra, porque sofro preconceito racial incessantemente?

Sim! Sou negra!

6 comentários:

Anderson Botan disse...

Infelizmente sabemos que nosso país é habitado por hipócritas da pior espécie, dos que dizem que não são preconceituosos e os praticam na primeira oportunidade que tem.. mais uma vez fico chocado ao ler um post seu sobre preconceito que você sofreu.. e o que doi é saber que não vai ser o último.. me enoja a atitude dessas pessoas que não se tocam que todos vamos apodrecer da mesma forma quando estivermos a sete palmos.. e que dessa vida não se leva nada.. Beijos e saudades!

Alex Amaral disse...

Olá! Meu nome é Alex e, primeiramente, gostaria de lhe agradecer por externar e publicizar os "eventos" ocorridos com você neste belo país de, como muitos dizem, harmonia racial. Já passei por situações como a sua (e a de muitos). Foram muitas, algumas mais marcantes que outras, mas todas duras. E sempre as relembro quando ouço a velha ladainda de que não existe racismo (ou preconceito) no Brasil. Já pensei até em propor uma expressão que substitua as temerosas: racismo, racista, racial, raça. Sendo um "problema" de cor da pele (Sim! Sou negro!), talvez, quem sabe, para acabar com a polêmica verbal, que tal: corismo, corista, de cor, cor... Humor à parte, é preciso desfazer o mito do paraíso racial. E expor as situações reais, como a sua, a minha e de tantos outros, é um bom começo. Obrigado!

Unknown disse...

Camila, força...e isso eu sei que vc tem e muita...coragem...para resistir e seguir suas metas, com seu poemas, com suas palavras e sua alegria estampada em seu sorisso. seus cabelos encaracolados só revelam o quanto sua mente caraminhola...por aí...mas confie em seu coração, esse não prega peça alguma...esse é verdadeiro o tempo todo...te amo, tenho vc em meu coração eternamente....claudia

Lunna disse...

Porque é mais fácil não enxergar os negros minha cara. A hipocrisia criou os morenos e morenas de cabelos cacheados. Isso é lamentável.
Nunca sofri preconceitos e posso dizer que apenas posso imaginar a sua dor. Que bom que você soube ser digna, diferente das pessoas que agiram com vc com tamanha falta de dignidade, afinal, que diferença faz qual a cor da sua pele diante daquilo que vc realmente é? Abraços meus

Relsing disse...

É lamentavél esses fatos que ocorre com certeza diariamente no Brasil, nunca sofrir nada semelhante,mas ja prensenciei varios acontecimento similares...

Tainá Rei disse...

Obrigada por postar isso! É, infelizmente, a realidade de todos nós, negros. Pior ainda para os que não são esclarecidos. E pior que isso são os esclarecidos que não se movimentam.

"Não há capitalismo sem racismo."