quarta-feira, 27 de abril de 2011

Noturna


Noturna

27/04/2011

Te pareço noturna?
pereço em cena
corpo em vãos da coxia
espremem aquilo que me é
erra

Olha-me de novo
desta vez, pelo buraco
de sua humildade ríspida

Te pareço noturna?
preço
marcada tal qual código de barras
alma em não liquidação moral

Olha-me de novo
pele negra sedenta
além Sol
aquém Lua

Te pareço noturna?
peço
e esmoreço em vitrines mal iluminadas

Olha-me de novo
nunca fui
não sou
não serei

Olha-me de novo
sou você compartilhada em mim

e mais noturna


terça-feira, 19 de abril de 2011

Diálogos indiscretos com Diazepan

Diálogos indiscretos com Diazepan


19/04/2011
- E aí, tudo bem com você?

- Tudo ótimo, tirando minha geladeira que prometeu degelo seco e está vazando por todo o apartamento de menos de 20m²; as ruas do bairro que fedem a xixi e bebida alcoólica; um porteiro tarado na madrugada; um endoscopista que não dá o remédio necessário para evitar uma possível crise emocional durante o procedimento; um guarda-roupa sendo tomado por traças; corredores que são mais área de lazer para barata; as duas horas para sair de sua própria casa devido à negligência pública aos finais de semana; uma TV que pega esporadicamente e desliga de acordo com sua própria vontade; o assédio sofrido quando estou em um ponto de ônibus e carros lotados por bêbados nojentos escandalizam por aí; um estômago que não aguenta mais cerveja por dores de estresse; o vermelho gritando na conta bancária; a vaidade de determinados patrões; calmantes que não mais fazem efeitos; alguns quilos acima do peso que extrapolam a barriga; um computador mais morto que Jesus Cristo e um anjo da guarda em greve. Fora isso, estou com saúde, tenho amigos, família e, sim, está tudo bem.

Ponto final. O diário de uma trabalhadora, mãe,mulher e sonhadora em plena páscoa. Ressurreição. Amém.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Borrão existencial

Borrão existencial


14/04/2011

Nódoa inconfundível em alma. Nada passa no liquidificador. Tentava ser independente. Tentava ser não carente. Tentava ser não filha. Tentava ser não namorada. Tentava ser não amiga. E nesse tentar e intentar. Não era. Nunca foi. Não iria ser. Apenas se a mácula da solidão lhe sussurrasse e tomasse o seu ser por todo o vazio não confundível. Era uma repetição de não; de não ser em seu vinil arranhado. E quando olhava para trás. Nada. Ninguém. Apenas as cinzas de um cigarro vagabundo e, desta vez, sem filtro. Pela primeira vez na vida, não filtrou, não selecionou, não julgou e, enfim, o cinza deu lugar a uma estrada não desbravada: a vida. Era tarde meu amor. E nem ao menos soube o que escreveram em sua lápide.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Prefeitura promove desapropriação em Madureira

A rua Quaxima, localizada em Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro, foi alvo de mais uma desapropriação promovida pela Prefeitura, na manhã desta quarta-feira, dia 13. Cerca de 27 famílias estão com suas casas ameaçadas, devido às obras da Transcarioca (corredor metropolitano que ligará Barra da Tijuca ao aeroporto internacional Tom Jobim). De acordo com Alexandre de Magalhães, representante da Rede Contra Violência, áreas próximas já foram demolidas. “Assim que começaram as obras, os moradores se organizaram, foram à Defensoria Pública, ao Conselho Popular e iniciaram as conversas com os órgãos responsáveis”, relatou Alexandre.

A Prefeitura ofereceu casas no bairro Cosmos, na Zona Oeste, mas nas seguintes condições: as chaves e o contrato só seriam entregues no dia da mudança e no local, e as pessoas teriam que ter saído de suas casas. Segundo Alexandre, dez famílias aceitaram e outras 17 não.

Na sexta-feira, dia 8, os moradores receberam uma notificação para reintegração de posse. “Chegamos aqui e há um enorme aparato, entre guardas municipais, policiais militares, subprefeitura, secretarias. O clima bastante ostensivo”, afirmou. As pessoas não saíram de suas casas, até porque não têm para onde ir e enquanto as negociações se davam, policiais invadiram a área por um outro lado, assustando ainda mais os moradores. “Estamos tentando negociar. O tenente nos disse que o cheque do aluguel social seria pago hoje para as pessoas se retirarem, mas as informações estão muito desencontradas e até mesmo essa invasão da barricada por outro lado mostra o tom da negociação”, explicou Alexandre.

Mesmo se as famílias receberem o cheque do aluguel social, no valor de R$400, existem muitas dificuldades para alugar uma casa. Em Madureira, por exemplo, o aluguel de uma casa está em torno de R$500. “O tenente garante que vão realocar as famílias para o programa Minha Casa, Minha Vida; mas não sabemos para onde e nem quando. Não há certeza”, se indignou Alexandre. Está prevista para a tarde de hoje uma reunião na Secretaria de Habitação entre representantes dos moradores e Prefeitura para tentar um acordo, ao invés de uma desapropriação truculenta, sem respeito aos direitos humanos.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Maria como as outras



01/04/2011

“Eu sou a Maria. Eu sou a Maria. Eu sou MARIA”. Repetia compulsivamente em frente ao espelho, sem ao menos se reconhecer. Lavava o rosto todos os dias pelas manhãs e fazia do sol seu melhor cúmplice. Quando o tempo nublava, ficava muda e fitava seus olhos no reflexo como se fosse Narciso em quadrante despedaçado. Começava o dia assim, e meditava contra as falsas acusações de negligência.

Contorcia-se pelo apartamento desarrumado, escovava os cabelos enquanto acessava sua caixa de e-mails. Nada de mais. Apenas anúncios de sites de compras coletivas, propagandas e vaidades destemperadas. Off. Terminava de se arrumar, ligava o som bem alto e tentava desanuviar qualquer desesperança parida naturalmente. Comia uma fruta. Afinal, tinha que manter sua dieta equilibrada. Precisava trabalhar, mesmo sem querer. Gostava mesmo de ser artista. De pintar pelas paredes do apartamento suas angústias mais profundas, mas dinheiro não tinha para sobreviver só da arte.

Tinha que trabalhar em uma multinacional e ser representada como um número no quadro de profissionais. Escolhia uma roupa qualquer, mas não esquecia-se do salto e da maquiagem muito bem desenhada. Pintava-se. Pintava-se de outra. Pegava o ônibus. Daqueles bem lotados, escondia a bolsa na frente do corpo e seguia o cotidiano comum a todos. No trabalho, mais e-mails e confusões administrativas. Apenas o café lhe era solidário. Gritos, tempo e prazos. Tudo isso atormentava sua rotina. Não compreendia essa tal obrigação de trabalhar. Só queria ser.
- “Mariaaaa”, gritava o chefe.
- “Pois não”, respondia.
- “Venha até a minha sala, por favor”, ordenava o superior com aquela educação mal disfarçada.

E lá ia Maria como as outras.
- “Por que não agendou a reunião com empresários coreanos?”
- “Porque o senhor pediu (na realidade, mandou – pensava secretamente) que eu retirasse o compromisso da agenda e o mantivesse em sigilo”.
- “Minha filha (aquele tom jocoso) você não entendeu direito. Eu não disse em momento algum a palavra sigilo. Você está aqui há dois anos e ainda não compreendeu a filosofia da empresa. Se existe compromisso, agende. Pronto. Entendeu bonitinha?”
- “Bonitinha o caralho”, pensou. Apenas pensou, mas segurou o impulso pelo seu cheque no dia 30.

Abaixou a cabeça e declarou:
- “Desculpe pelo equívoco, não vai mais ocorrer. Vou incluir o compromisso na agenda”.
- “Você não entendeu mesmo. Eu não disse que era para incluir agora. Olha, faz o seguinte minha filha (ironia das bravas), volte para sua mesa e responda aos e-mails da presidência, ok? Estamos entendidos? E que não volte a ocorrer”.

Assentiu com a cabeça e foi em direção à sua mesa. Olhava para o computador e não se enxergava. Sabia que aquela ligeira imagem refletida na tela não lhe pertencia e repetia: “Eu não sou isso. Eu não sou isso. Eu NÃO SOU”. Quis chorar, mas engoliu o café frio.
Arriou os ombros e seguiu a teclar. Olhava para o cantinho da sua mesa e havia um pocket book que ganhara de um amigo, cujo título não alinhava com sua alma: “Ânimo”. Tentava respirar, enquanto isso passava creme em suas mãos ressecadas. Rezava para que o relógio adiantasse algumas horas, mas em vão. Distraía-se com o café e alguns papos de cozinha.
Voltava aos afazeres. Tentava sair do automático, criar e pensar coisas novas; mas o ambiente lhe travava. Enfim, 8 horas terminadas. Uns amigos lhe chamavam para o chopp depois do expediente. Até ia, bebia alguns, ensaiava um porre, mas sentia-se vazia. Até cambaleava pelas ruas para se sentir mais leve e liberta do mundo ao qual pertencia obrigatoriamente e sem saída.
Já era tarde da noite, voltava só para casa. Desviava de corredores e colunas. Se pudesse, ficaria agachada no elevador e nunca mais sairia de lá. Pelo menos, o elevador lhe permitia mais respirações que lá fora. Não se entendia. Não entendia a incompreensão raivosa do mundo. A agressão gratuita. A raiva desmedida. A intolerância descabida. O ser obrigatório. Depois de refletir no elevador, adentrou em sua casa. Começou a procurar objetos e tomou posse de movimentos furtivos. Pintou. Pintou com toda sua voracidade. E, em alguns minutos, a parede de seu quarto estava quase preenchida, faltando apenas um espaço em branco. Tudo era vermelho. Sangue de seu sangue. Cortara, enfim, os pulsos e ilustrava uma vida em branco. Simplesmente em branco. Foi Maria.