quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

ATENÇÃO!!! NOTÍCIA DO DIA


ATENÇÃO!!! NOTÍCIA DO DIA (16/01/2007)

Correio Popular: "Hélio proíbe animais em vias pavimentadas "


“Algumas éguas chegam a parir no asfalto e cavalos carregam cargas sangrando”, exemplificou o vereador Feliciano

Cavalo de Pau - Camila Marins 16/01/2007

Hoje contarei uma historinha, talvez conhecida, mas perdida na memória de muitos. Lalá morava em uma vila com pequenas casas, talvez até tocas, portas ovais e grades. Ela não tinha cobertores, roupas e muito menos mordomia. Todos os dias recebia uma tigela com um pouco água e um punhado de mato. Carne? mal conhecia o sabor, às vezes conseguia algum osso. Lalá tinha apenas dez anos, tinha poucos amigos e não sabia o que era a vida.
Do lado de fora da vila, morava Zezé em um condomínio com casas grandes, talvez até mansões, portas quadradas e muros altos. Todos os dias tomava leite integral e comia um bom pedaço de bife. Essa já era sua rotina, comia o quanto quisesse, tinha roupas elegantes, jóias, brinquedos de pelúcia, amigos e aprendia a viver a cada dia. Lalá e Zezé tinham a mesma idade.
Depois de passado um tempo, Lalá engravidou e um dia já fora das grades da vila as dores se anunciaram. No meio do asfalto, sua placenta pingava até que no cruzamento pariu. De lá, foram retirados e levados para as grades novamente. Zezé continuava a viver em sua mansão, cercado de caprichos e mordomias.
Enquanto isso, na esquina da vila, um menino no semáforo, maltrapilho, nariz escorrendo, manchas brancas no rosto queimado de sol e pés rachados. No entanto, sua aparência não influenciava sua arte. Sinal vermelho e o espetáculo começa. Malabares, acrobacias e um monociclo. Da vitrine do pára-brisas, motoristas podem observar a cena. Sinal verde, hora de abaixar o vidro e retribuir ou não. Quem sabe um lanche ou então um muito obrigado? Nada de aplausos, o menino recolhe seus instrumentos e corre para a calçada.
No meio-fio, apenas um corpo estendido, enrolado entre papelões e sacos de lixo. Ninguém pára. Vivo ou morto? Ninguém procura. Será que respira? Ninguém sabe, apenas pulam seu corpo e seguem seu caminho. Ninguém liga, ninguém comunica, nenhuma providência. Apenas saltos, ternos, jeans e chinelos. Só a polícia identifica. Está vivo. Deixa para lá, surra ou um prato de sopa? Escolha a porta que mais te agrada.
A rotina se transforma em vidro, vidro da janela do carro que se fecha, vidro das vitrines que te envolvem. Vitrines sim, estamos em uma redoma ou pelo menos, muitos tentam ser assim e cuidado com a blindagem, não é 100%. Abandonaram o outro, aquele, o mesmo da esquina ou do semáforo. Talvez lembrem-se apenas de Zezé, a cachorrinha poodle daquela socialite das colunas sociais. Merece até aniversário, jóias e perfume.
Mas há quem lembre de Lalá, a égua parideira do asfalto. De lá foi banida e proibida de puxar papelão que envolve corpos no meio-fio. No asfalto, não querem mais ver éguas, cavalos ou bois, mas na escola quando veremos nossas crianças do semáforo?

Um comentário:

Jéssica disse...

Esse trecho "No meio do asfalto, sua placenta pingava até que no cruzamento pariu" não sei porque, me fez lembrar aquele texto A infanticida Maria Farrar do Brecth.