terça-feira, 21 de setembro de 2010

O latifúndio da invisibilidade

O latifúndio da invisibilidade

21/09/2010

Após 6 horas de trabalho, levantar cedo, almoçar rapidinho para economizar no horário, finalmente, chego ao metrô. Meu destino: Ipanema – zona sul do Rio de Janeiro. Quase 6 da tarde, no contra fluxo da maioria dos trabalhadores que se dirigem à zona norte. Metrô lotado, mas não mais do que aquele que se movia até a Pavuna. Quase chorei só de olhar as pessoas se esmagando, senhoras carregando bolsas para o alto e travando uma verdadeira batalha.

Meu vagão era aquele exclusivo para mulheres que, diga-se de passagem, ficou só no papel, pois não há qualquer fiscalização. Também lotado, mas o pior estaria por vir. São 10 estações da Cinelândia até Ipanema. Um trajeto que levo aproximadamente 20 ou 30 minutos para cumprir, demorou mais de 1 hora! Em cada estação, o vagão ia se tornando menor. Isso porque não parava de entrar gente. Os trilhos pareciam engatar a marcha ré com tanta lentidão, talvez por falta de energização. Não sei exatamente. Apenas ouvia: “Estamos aguardando liberação do tráfego à frente”.

Enquanto aguardávamos a tal liberação, o ar condicionado parecia ter sido desligado e, nós, trabalhadores, ficamos ali, presos, sem ar e compartilhando os mais diferentes odores. Olhava para os lados e apenas as pedras do caminho do metrô. Quase chorei. Já peguei metrôs muito mais lotados do que este, mas, hoje, especialmente, estava sensível. Olhava para o outro lado quando as pedras assim o deixavam, via situação ainda pior no carro em direção à Pavuna. Só conseguia pensar: este é a parte que nos cabe neste latifúndio. Aliás, pensar não, questionar: este é a parte que nos cabe? Não, não nos cabe!

Nunca quis comprar um carro, porque acredito na coletividade do transporte. Não da forma como está colocado, pois não temos acesso a um transporte público de qualidade. Muitos querem evitar ônibus e metrôs lotados e compram veículos próprios. Além de gasto com seguro, gasolina, estacionamento, a emissão de gás carbônico é enorme. Mesmo com carro, não fugimos do trânsito. Então, que tal dar uma de Angélica e Luciano Huck e pegar o jatinho? Também não! Ou talvez uma projeção de nossos corpos? Nada disso vai adiantar, enquanto alimentarmos o individualismo e as políticas de Estado continuarem aquém. Não sou contra a compra de carros e afins para locomoção, mas sou contra a situação da forma como está hoje. Por que as pessoas que não têm carro ou jatinhos, precisam ser humilhadas no transporte público desta forma?

Quando saí do metrô, respirei e olhei para trás. Nós, centenas de trabalhadores, na luta cotidiana pela sobrevivência disputando um espaço para subir a escada rolante e, enfim, respirar. Comecei a tremer e não entendi muito bem o motivo. Mas, mais tarde, já em casa, compreendi: senti a dor mais pesada. A dor nos ombros. A dor da invisibilidade. Todos nós, ali, sufocados, presos, reféns e completamente invisíveis.