domingo, 23 de dezembro de 2007

Oração de Natal para Saci

Oração de Natal para Saci


As ruas estão vazias. Os corpos estão vazios. As almas estão vazias. Os estômagos estão vazios. Entre as esquinas apenas o barulho de sinos. Sinos que badalam todas as dores do mundo. As dores das estranhas entranhas amarradas e postas à guilhotina. Todo o vazio daquele estômago fissurou a lâmina. Ah, doce metal que alimenta tuas mazelas. Abre a caixa de Pandora e ajoelha. Ajoelha diante de tu’alma e chora toda tua essência. Olha para os lados e derrama tu’alma em lágrimas. Saboreia o sal que marca este chão e compete com o badalar dos sinos. Compete com as luzes espalhadas. Compete com espíritos. Compete com a hipocrisia. Levanta-te do solo e estende tua mão que ele vem aí. Estende tua mão que seu chapéu é vermelho e as luzes já se apresentam. Estende tua mão para a fumaça. Estende tua mão para tua cor. É ele. Rodopiando em seus ventos, soltando fumaça pelo cachimbo. Ah, meu Saci, salvai esse mundo! Leva embora esses gorros vermelhos que querem nos confundir nesta data. Leva embora essas luzes que não são vaga-lumes. Leva embora esses trenós que competem com teus ventos. Leva embora esse gelo que não é a fumaça de teu cachimbo. Leva embora essa barba branca que esquece de tua cor. Negra como a noite. Leva embora esse esquecimento e nos apresente o horizonte. Leva embora esse vazio. Leva embora essa mazela. Leva embora essa hipocrisia. Vai meu Saci, com a força de teu gorro, protegei-nos desse Mal. Amém.


Camila Marins

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Mandrágora

Mandrágora
Camila Marins – 24/03/2007

Da terra infecunda
molhada pelo sêmen;
de grãos pisciformes
que desfazem sua sepultura.

Opróbrios!
Seios fétidos; murchos
que ladram em noite de lua cheia.

Seu grito antropomórfico
invade meu útero: bailarino estéril.

Argila com sede de placenta,
expira.
Agora molda o feto; ceifando
gota a gota de seu sangue.

No ar, apenas piedade
que embala toda a lucidez no colo
entre espáduas; com suas sementes narcóticas,

as olheiras gritam e
alucinam frutos espalhados pela terra.

Vácuo.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Cólera patriarcal

Cólera patriarcal

(13/12/2007 - Homenagem ao documentário de Alexandre, Cebola, Carola e Gabi)






o rio corre mais longe
suas correntes d’água libertam marcas da exclusão
perguntaram-me esses dias:
somos filhos de quem?
somos filhos de quem?


não importa se arrancamos cor do pau brasil
ou se sangramos leite da seringueira
as matas são as mesmas
os filhos são os mesmos
somos filhos de quem?
somos filhos de quem?


isso não importa
lança teu nome
Ah! Esquece!
As vozes são caladas!
As vozes são estranguladas!
As vozes são enforcadas!
As vozes são afogadas


Não importa de onde vem
Somos filhos de um único Pai
O Pai Brasil
Muito prazer meu senhor!


ajoelha e vocifera teus joelhos no chão de terra
escolhe as pedrinhas mais agudas
deixa teu joelho sangrar
pois teu olhar não vai alcançar
nunca vai alcançar eixos de igualdade


então chora
chora todas as dores em teu ventre
alimenta apenas a fértil esperança
esse é o pedaço que te cabe.
Somos filhos de quem?
Somos filhos de quem?

sábado, 8 de dezembro de 2007

Sexo Amplexo

Sexo amplexo
Camila Marins – 05/07/2007 por volta da meia-noite

Sexo conseqüência
Sexo com seqüência
Sexo vaidade
Sexo vai idade
Sexo amora
Sexo amor à
Nenhum sexo
Nem um dos sexos
Sexo facilidade
Sexo na fácil idade
Sexo arrego
Sexo ao rego
Sexo entretanto
Sexo entre tantos
Sexo deleite
Sexo dê leite
Sexo à distância
Sexo que dista ânsias

Sexo não é nada fácil, principalmente quando se vai a idade. Dizem sexo conseqüência, entretanto a vaidade não permite deleites. Nem um dos sexos com seqüência, só a ânsia é desperta. Entre tantas amoras, preferi a distância. Arrego!


Camila Marins

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

El Sueño

Sonhos em S

Série desenvolvida a partir de alguns quadros de Salvador Dali. O nº01 é baseado a partir de percepções do quadro “El Sueño” - 1937

Camila Marins

Nº 01 – El Sueño

Vi a fotografia de teu rosto
Apoiada por varetas
entre o céu e o mar.

Apenas as hastes de teus traços
e tuas rugas sustentadas.
Tuas pálpebras deitavam
sombras n’água

lama etérea que se confunde
e esquece o reflexo.
o reflexo de tua face no espelho
cospe e escarra toda a imundice de teus traços

verde desmemoriado!
Ao longe, ainda sobre sombras
hasteio tua face perdida;

flutua a madeira:
único consolo
para tua face
sustentada

Mas! Espera
vou regar teus secos lábios
regarei com espinhos
nascidos nos jardins de Pasárgada

teus lábios rachados
tua mudez
este teu silêncio
excitante no vácuo

tenta abrir os olhos
e sangra teu vazio
sangra tua libido
impregnada sob a pele

cortina leve que se abre
em seus secos lábios.
Suporte de sentidos no deserto:
sopro de quase percepção.

Camila Marins

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O Bailado do Deus Morto

O bailado do Deus morto
05/08/2007
Camila Marins


Quem inventou Deus?
não adianta perguntar aos Céus
cobre tua face de alumínio
e canta!
Canta suas invenções à Terra

dança entre animais
provoca sombras ao seu redor
mas (...) escuta
escuta atabaques de deuses do Ébano
platéia hipnotizada
entre sons, animais e escuridão

Quem inventou Deus?
aqueles que impedem a estréia
a estréia de um novo homem
fugidio da hipocrisia
objeto da experiência
ossos carne e vísceras

Quem inventou Deus?
entrelaça tuas pernas nas minhas
estréia tua alma
e chora!
Chora as dores de teu corpo

Quem inventou Deus?
arranca tua máscara
e olha para o espelho
Deus é morto
Que fechem as cortinas


Camila Marins

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Caixão - por Camila Marins

Caixão
Camila Marins 17/10/2007

A sete palmos cai chão

Ao horizonte sua cruz
que apedrejaste.
Sente as mãos que quase o envolvem.
Um mogno açoitado por digitais
espelha aqueles que lhe carregam.

o chão cai
abaixa
a sete palmos
cai chão
por trás
o caixão

Sente o perfume das flores
flores que preenchem teu caixão
flores que envolvem teu corpo
flores que carpideiras carregam.

o chão cai
abaixa
a sete palmos
cai chão
por trás
o caixão

Abaixa o caixão:
a sete palmos
derrama tua flor
a flor crucificada
que no chão cai

o chão cai
abaixa
a sete palmos
cai chão
por trás
o caixão

conforta-te com os vermes
vermes que se confundem com teu reflexo
por favor, mais uma dança
baila no inferno e toma teu drinque

o chão cai
abaixa
a sete palmos
cai chão
por trás
o caixão

madeira que flerta com tuas fobias
mãos carregam em alças douradas
o corpo
o corpo que cai
a sete palmos

domingo, 23 de setembro de 2007

Amor

Amor
Camila Marins – 23/09/2007


Um nó na garganta
nós nos intestinos
grossos e delgados
vísceras amarradas

o Amor
apenas nós

do estômago até o cu
entranhas estranhas
no labirinto da Essência
travando conflitos com as extremidades

o Amor
apenas nós

embaraçadas em teu ventre
amarradas vísceras
escorre o teu sangue
gota a gota

o Amor
apenas nós

carne, sangue e resto
do duodeno ao reto
intestino
engole e excreta

o Amor
apenas nós

pão e merda
sambam em teu estômago
vertigem e tontura
anunciam a miséria de tua alma

o Amor
apenas nós

brinda e se embriaga com tua bile
fel que tenta teu apetite
a fome de teu estômago diz:
- “Engole teu vômito”

o Amor
apenas nós

se lambuza com teu vômito
lança de si aquilo que não lhe pertence
jorra todo teu líquido pela boca
desfazendo nós de teu intestino

o Amor
apenas nós

alguns nós ficam mais embaixo
sente o cheiro
o cheiro da merda
aquilo que sobrou

o Amor
apenas nós

restos, sobras, vômito, vísceras e merda
o fim
reflexo de quem somos nós

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Abstinência

ABSTINÊNCIA
18/05/2007

abstive sempre
cumpri minha penitência
tive nem um pouco de clemência

escolhi meu sacrifício
tal qual o cordeiro.
servida em um altar
minha alma na bandeja

deus tentou me convencer
mas apelei para a vogal
A
Adeus

e meu estômago emaranhado
retorcido em seu próprio coito
vazio que tenta renunciar a vogal
Anunciou o jejum

dos sete pecados capitais
que moravam em meu estômago
apenas um se ajoelhava
e no genuflexório pedia remissão.

Em vão

eu, em minha casta idade
queria a luxúria
mas entre minhas coxas
castidade.






sábado, 20 de janeiro de 2007


Dicionário das Línguas
20/01/2006 - Camila Marins

Solidão
Aquela que você encontra no quarto
Apenas poeira

Amor
Porta-retratos no criado mudo
Às vezes ele fala
Às vezes criado surdo

Saudade
Ressaca do dia seguinte
Por favor, mais glicose

Melancolia
Jantar para um
Na caixa de som Guinga
E depois dormir com meias

Raiva
Hormônios em ebulição
Chaleira que apita
Memória em preto e branco

Sexo
Fruto de super ego
Ou não
Abolir o orgasmo?
Cu

Amizade
Um vestibular com questões dissertativas

Trabalho
Convivência
Um reality show
Melhor que sexo

Imaginação
Chico Buarque dançando dentro de uma gaiola
Fafá de Belém com um terceiro mamilo
Caetano Veloso nu com seus cabelos caralho
Céu verde absinto
Andar na rua e ver todo mundo pelado, olha aquele escroto
Pastores sem salários
Padres com votos de castidade
Sua mãe transa com seu pai
Homens que viram lagartixas
Mulheres baratas
Ou vice-versa
Atenção! O homem nunca foi à Lua!
Open your eyes
Bocetas não têm pêlos
Mas pedem pelos

Homens, mulheres, mundo
Orgia
Ímpar
Mudo, ai o criado de novo não
Corpos em crise
Sexo
Lábios carnudos
Rosa murcha
Toca que te espreme
Espirra

Inteligência
Mais sensível que os orgasmos
Pulso para relógio
Corpo para vestir
Mente para despir
Tudo bem, rimou, mas vá ao dicionário
Minha alma já se apaixonou

Tolerância
Caí de bicicleta
Meu pai tirou as rodinhas
Braço esquerdo
Gesso

Pobreza
Cheiro das fumaças carbônicas
Peixes que bóiam
Água preta
Clorofluorcarboneto saiu da minha vagina
Chupa chupa chupa
E lá se foi o gelo

Riqueza
Uma rede no quintal
Cara ou coroa?
Um livro em branco
Um pé de amoras

Cu
Meu amor
My Dear
Mon amour
Vive enfiado em minha casa
Às vezes na salada
Ou no meu chuveiro
Pinga azeite
Pinga ni mim
Eita pinga marvada
Todos gostam de uma fofoca
Mas prefiro um beijo de Judas
E meu criado blá blá blá
Estrutura de ferro
Bosta pêlos e dedos
Morde
Morde
Duvido que consiga
Cu cu cu cu cu
Somos assim
Cu
Entra e sai
Vai e vem
Uma direção orgânica
E outra orgástica
De quatro
Inspira e expira
Não conseguimos ver
Espelho
Somos assim
Cu
Estilhaçado
Dúbio
Contradição
Mais uma hipótese?
Sim. S
Como diria um amigo: plural ou quem sabe verme?
Cu
Assim escrevo
Pego o cu que começa a lamber o papel em branco
Branco até gozar
Duas letras
Dois corpos
Algo em comum
Opa, um lugar-comum
Cu
Peraí, chega de meias frases, parecem mais palavras usando meias. Vamos direto ao assunto. Cu não se vê, só com espelho ou com seu dedo. Mas pega a caneta e desenha, abaixa as calças e caga, passa um chuveirinho. Quase, quase. Não relute, a vida é assim, uma hora ou outra cu. Portanto, cuidado com o lugar-comum em que todos se metem ou pelo menos querem dar opinião.
- Filho, não esquece de limpar o bumbum
- Amor, passa um chuveirinho?
- Quanto é a depilação anal? Cera quente ou fria?
- Depende, dos pêlos. Lisos ou enroladinhos?
- Puta pentelho hein?
- Que porra é essa?
- Relaxa e goza.
- É hoje, você me convenceu. Vamos passar na farmácia e comprar um KY. Quanto custa?
- Oi gato, quanto é o programa?
- Quanto sai? Quanto entra? Quanto vale? Apenas Cu – cubrum; cobre, alguns cobres no meu bolso nu. Essa é a minha química.
- Ow my ass. Make it.
- Garçom, por favor, uma cerveja e um cu de burro. Obrigada.

Cu.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

ATENÇÃO!!! NOTÍCIA DO DIA


ATENÇÃO!!! NOTÍCIA DO DIA (16/01/2007)

Correio Popular: "Hélio proíbe animais em vias pavimentadas "


“Algumas éguas chegam a parir no asfalto e cavalos carregam cargas sangrando”, exemplificou o vereador Feliciano

Cavalo de Pau - Camila Marins 16/01/2007

Hoje contarei uma historinha, talvez conhecida, mas perdida na memória de muitos. Lalá morava em uma vila com pequenas casas, talvez até tocas, portas ovais e grades. Ela não tinha cobertores, roupas e muito menos mordomia. Todos os dias recebia uma tigela com um pouco água e um punhado de mato. Carne? mal conhecia o sabor, às vezes conseguia algum osso. Lalá tinha apenas dez anos, tinha poucos amigos e não sabia o que era a vida.
Do lado de fora da vila, morava Zezé em um condomínio com casas grandes, talvez até mansões, portas quadradas e muros altos. Todos os dias tomava leite integral e comia um bom pedaço de bife. Essa já era sua rotina, comia o quanto quisesse, tinha roupas elegantes, jóias, brinquedos de pelúcia, amigos e aprendia a viver a cada dia. Lalá e Zezé tinham a mesma idade.
Depois de passado um tempo, Lalá engravidou e um dia já fora das grades da vila as dores se anunciaram. No meio do asfalto, sua placenta pingava até que no cruzamento pariu. De lá, foram retirados e levados para as grades novamente. Zezé continuava a viver em sua mansão, cercado de caprichos e mordomias.
Enquanto isso, na esquina da vila, um menino no semáforo, maltrapilho, nariz escorrendo, manchas brancas no rosto queimado de sol e pés rachados. No entanto, sua aparência não influenciava sua arte. Sinal vermelho e o espetáculo começa. Malabares, acrobacias e um monociclo. Da vitrine do pára-brisas, motoristas podem observar a cena. Sinal verde, hora de abaixar o vidro e retribuir ou não. Quem sabe um lanche ou então um muito obrigado? Nada de aplausos, o menino recolhe seus instrumentos e corre para a calçada.
No meio-fio, apenas um corpo estendido, enrolado entre papelões e sacos de lixo. Ninguém pára. Vivo ou morto? Ninguém procura. Será que respira? Ninguém sabe, apenas pulam seu corpo e seguem seu caminho. Ninguém liga, ninguém comunica, nenhuma providência. Apenas saltos, ternos, jeans e chinelos. Só a polícia identifica. Está vivo. Deixa para lá, surra ou um prato de sopa? Escolha a porta que mais te agrada.
A rotina se transforma em vidro, vidro da janela do carro que se fecha, vidro das vitrines que te envolvem. Vitrines sim, estamos em uma redoma ou pelo menos, muitos tentam ser assim e cuidado com a blindagem, não é 100%. Abandonaram o outro, aquele, o mesmo da esquina ou do semáforo. Talvez lembrem-se apenas de Zezé, a cachorrinha poodle daquela socialite das colunas sociais. Merece até aniversário, jóias e perfume.
Mas há quem lembre de Lalá, a égua parideira do asfalto. De lá foi banida e proibida de puxar papelão que envolve corpos no meio-fio. No asfalto, não querem mais ver éguas, cavalos ou bois, mas na escola quando veremos nossas crianças do semáforo?