quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

O dia em que falei de horrores


Hoje, recebi um texto de um amigo sobre mim. É. Sobre mim. Nunca haviam escrito sobre mim. Sempre escrevi sobre as pessoas, sobre o imaginário, sobre desejos. E ele me alerta: “Uma menina perdida que não sabe nada sobre a vida e ao mesmo tempo carrega o mundo dentro de si. Tanto medo, tanta angústia, mas sempre com o olhar sereno e pacífico. Lembre-se: o que importa é a travessia e que apesar de bebermos alguns cafés amargos ao longo da vida, os passeios de bicicleta sempre compensarão!!!”. Mas o trecho mais importante é: “Viva e dispa-se dessa armadura que te protege!!!” O que me chamou atenção foi o caráter exclamativo do texto. Estranho ler, estranho reconhecer. Como as cartas de Rousseau, algumas linhas. Puro paradoxo.
Quero confessar algo e pode esquecer meus joelhos. Sinto a morte prematura, posso sentir em minha alma. Pode parecer besteira, mas pressinto que morrerei cedo. Não adianta dizer:
- Deixa disso, está falando bobagem.
Certamente serei vítima desse clichê. Antes de falar sobre certezas e morte, deixe-me explicar minha linha de raciocínio nada linear, um tanto curvilínea. Sempre me envolvo em muitas atividades: filosofia, maracatu, umbanda, folclore, políticas culturais, antroposofia, meditação e muita outras e quase nunca sigo adiante. Termino os cursos, mas a prática e o aprofundamento são preguiçosos. Não sei dizer o porquê, a sede é sempre maior, tenho mais vontade de beber do que mijar. Ou talvez mais vontade de inspirar do que expirar? Talvez seja esse o movimento da minha alma: tal qual a respiração.
Sabe, digitando esse texto, percebo a quantidade da palavra “sempre” utilizada no rascunho. São tantas as repetições, quiçá respirações. Afinal, todos respiram não? O dicionário da língua portuguesa me diz o seguinte: Inspirar - v. 1. Tr. dir. Med. Introduzir o ar atmosférico nos pulmões por meio dos movimentos do tórax. 2. Tr. dir. Causar inspiração ou estro a. 3. Pron. Receber inspiração, sentir-se inspirado. 4. Tr. dir. Iluminar o espírito de / Expirar: v. 1. Tr. dir. Expelir (o ar) dos pulmões. 2. Tr. dir. Respirar, exalar, bafejar. 3. Intr. Morrer, falecer; exalar o último alento. 4. Intr. Dissipar-se, extinguir-se pouco a pouco. 5. Intr. Findar, terminar; vencer. 6. Intr. Deixar de estar em vigor; invalidar-se, caducar. 7. Tr. dir. Revelar, demonstrar.
Ops, esbarramos nos paradoxos de Rousseau. Bem, hora de voltarmos ao assunto clichê. Qual o movimento COMUM a todos? A respiração. Eu queria um movimento em um único sentido, uma bússola com um ponteiro fixado para um lado, nada de inspirar e expirar, quero uma direção só. Chega! Chega! Só quero isso, um lugar-comum, nada desejado pelas pessoas.
Como diria um amigo meu: “Cami, você é o puro clichê, você gosta daqueles desbundados da MPB”. Mas talvez ele seja o clichê, repetindo essa frase do Henfil. Tudo bem, uma calcinha para Chico Buarque, minha inspiração azul. Amém Chico, Tom, Vinícius, Guinga, Jards Macalé, Moreira da Silva!
Abaixo as bundas, bundinhas e os bundões. Salve o desbunde.
E se você pensa que gosto de escrever explicitamente sobre meu cotidiano, se engana, eu odeio, acho a coisa mais ridícula, mas fui motivada a tal. Sabe aquele meu amigo do primeiro parágrafo? Aquele que clama pela nudez de minha alma? Ele mesmo, em um incerto dia me disse: “Vasculhe seus diários da infância, encare e escreva sobre eles”. Ler meus diários? Jamais. Eu os tenho desde muito nova, mas muito nova mesmo. Naquela época menina fazer aniversário era pedir para ganhar diários.
Ai de mim. Tenho medo, pavor, pânico, vergonha de ler e mergulhar no lado obscuro de minha alma infantil. Ah, talvez antes de morrer, alguém o faça por mim. E esse alguém quando ler, vai rir, chorar e se lamentar e talvez acolher dentro de si a vontade inenarrável da morte em apenas uma direção. É. Brincadeira de criança como já dizia meu amigo do primeiro parágrafo ou então meu amigo do desbunde: puro clichê.